VOLTAR À PONTE - BEBER NA FONTE
- peixotonelson
- 20 de mai. de 2023
- 3 min de leitura

Corriam as águas do Rio Vermelho, GO, no começo dos anos 80 e, até hoje, continuam a correr como o tempo, às vezes serenamente, outras vezes borbulhentas sobre as pedras. Eu estivera na cidade, mirando, da ponte, a casa da escritora Cora Coralina. Distante dali, a curva do rio ia se perdendo nas pedras e no verde que bebia água na corredeira.
40 anos se passaram. Presença motivada por causa do Curso de Extensão de Sociologia Rural pela UCG (Universidade Católica de Goiás). Era a consolidação do compromisso com os ribeirinhas dos rios e lagos de Coari, no AM, onde trabalhava como missionário.
Naquele ano, encontrávamos, em Goiás, para conhecer e analisar as tramas do latifúndio, da expropriação da terra e do avanço do capitalismo no campo. Os dias com o professor Ivo Poleto nos ajudaram a fazer análises críticas, à luz dos Evangelhos, acerca da ocupação e posse da terra, dos conflitos agrários e da violência que começava a crescer. Éramos agentes da CPT (Comissão Pastoral da Terra) de muitas partes do Brasil, que nos oportunizávamos a um convívio com nossas diferenças culturais. Juntos, por causa da Boa Nova da Libertação e dos Direitos Humanos, aprofundamos a fé na prática dos serviços pastorais.
A experiência cultural com o professor Carlos Brandão, vivida em Goiás, era uma aprendizagem que entrava pelos sentidos, apreciando a festa do Divino, a cavalhada, as congadas, lendas e histórias que nos ensinaram a ouvir e a entender a linguagem da resistência e da alegria com as suas mais variadas origens.
A dança da Catira, marcada pela batida dos pés e mãos dos dançarinos nos impressionavam. Mãos que se unem e pés que se põem em caminhada para imaginar uma vida mais humana. Vivemos os dias de Carnaval, aprendemos a dançar sobre pedras e nos divertir com os poemas de Cora Coralina.
"Um estrada, um leito, uma casa, um companheiro. Tudo e pedra"
"Entre pedras cresceu minha poesia. Minha vida... Quebrando pedras e plantando flores".
"Entre pedras que me esmagavam, levantei a pedra rude dos meus versos"

Cidade de pedras, duro chão que, pisando e chorando, fomos convocados a fazer a passagem da ideia à realidade a ser transformada.
Da culinária, prendemo-nos à descoberta do queijo curado, que eu e meus amigos saboreávamos, aos pés de Cruzeiro, contemplando a cidade que se ajeitava para dormir. Uma cerveja aqui e acolá, para brindar nossa experiência fraterna.
Nossa espiritualidade desejada, centrava-se no serviço aos mais pobres, poeirentos das estradas, e aos molhados das margens dos rios.
A perspectiva do retorno às nossas origens populares nos animavam a viver na construção do Reino de Deus, de acordo com o projeto de Jesus, tão bem explicitado por nossos mestres.
O Frei Carmelita Carlos Mesters, exegeta bíblico e o dominicano, Frei Marcelo Barros, que morava na cidade e escrevia sua teologia com o pé e o coração na história dos excluídos, seja por preconceito de cor e por etnias originárias que os identificavam.
Todos nós retornamos para nossas cidades e nunca mais nos reunimos como turma.

Nesse retorno, em 10 de maio de 2023, aniversário de 37⁰ Ano do martírio do Padre Josimo Tavares, assassinado covardemente no Maranhão a mando do latifundiários inconformados com sua atuação.
À noite deste dia, estive na Igreja do Rosário dos Pretos, participando do Tríduo de Nossa Senhora de Fátima. Posso afirmar com muita fé que, depois, sentado com a Luzinete, na Praça do Coreto em Goiás, fomos abençoados com muita literatura e memórias com vontade de voltar e de viver por aqui.
(NP, 10 de maio de 2023).











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