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VIDA "SAUDOSA" DE SELVA- VARADOUROS E ESTRADAS.

  • Foto do escritor: peixotonelson
    peixotonelson
  • 4 de fev. de 2023
  • 4 min de leitura

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O que vou escrever prende-se ao depoimento de um amigo de caminhada, no Parque do Idoso, em Manaus , AM. Um cearense que chegou aos dois anos de idade e foi com o pai e outros nordestinos para os seringais do Estado do Acre, AC. O amigo chama-se Aloísio (80 anos). Desde pequeno, cresceu inserido na cultura extrativista que já tinha se mesclado com os valentes soldados da borracha do passado, quase todos vindos do Ceará. Estes ganharam o apelido de "arigó cabra da peste".

'Arigó' foi termo dado aos nordestinos, de modo especial aos cearenses, que migraram para a Amazônia a fim de trabalhar na extração do látex das seringueiras. Ofício equivalente e comparável às batalhas ferozes, durante a 2ª Guerra Mundial. Tanto assim, que a lei aposentou-os como "soldados da borracha".

Meu amigo chegou exatamente no segundo ciclo da migração nordestina (1942 - 1945). Incrível acreditar que, nesse novo ciclo, tenham migrado quase 65 mil pessoas, entre as quais encontrava-se ele, o Aloísio com sua família. Contingente numeroso, somando-se ao primeiro ciclo, que trouxe a cultura do feijão, da cana de açúcar e do milho. Aloísio me conta que eram, de fato "cabras da peste".


Com o impaludismo ou malária e outras doenças, muitos sucumbiram, como um dos seus irmãos. Os que não morreram se tornaram "cabras da peste". Imagino que o termo "cabra" era a memória das cabras da caatinga, onde na pobreza, latifúndio e na falta de chuva, os bodes e cabras sobreviviam das estiagens sem chuva e muito sol com terra torrada.

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"Estima-se que mais da metade dos aliciados , pelo então Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia , acabou morrendo devido às condições insalubres em que foram submetidos" escreve Diego Antonelli, nesses termos: "Soldados da borracha: os escravos do século 20 em plena 2.ª Guerra Mundial". Para meu amigo Aloísio e sua família, a crítica do Antonelli, acontecia em forma de isolamento, longas distâncias, feras a enfrentar e estradas de seringueiras sem fim.

Nesse ínterim, me vem à mente o romance de Ferreira de Castro, "A Selva", cujo enredo é de um jovem português que fora exilado e acabou seringueiro e capataz, trazendo descrições cruéis das condições de vida dos seringueiros. Entretanto, pareceu-me que na época do Aloísio, a escravidão estava menos cruel.

Conta meu velho amigo, seringueiro por 40 anos, que os mateiros ou abridores das estradas, localizavam as madeiras de seringa e traçavam em forma da letra U, para facilitar o corte, na ida que começava pelas três da madrugada e o retorno ao amanhecer, recolhendo o leite das tigelinhas, que recebiam a seiva com a sangria do dia.

Apesar da análise crítica e realista da vida que levou o Aloísio , olhando para trás no tempo, lembra também do desfrute alegre da vida, da evolução das técnicas para facilitar o processo de extração, até a entrega do produto ao patrão. Nesse ponto, perguntei: Dava para saldar alguma coisa? Ele me responde que nem havia dinheiro. Era entrega da mercadoria, necessidades básicas para sobreviver, em troca da produção de borracha. O seringueiro tinha quase tudo que queria, da espingarda ao anzol, mas tinha que pagar com seu trabalho pesado. Carne de caça e peixe, com fartura, disse-me o velho amigo.

Interessante foi me relatar que não usava as porongas ou lamparinas de lata que eram colocadas sobre a cabeça na hora de rumar nas estradas para cortar a madeira nas madrugadas, sempre escuras, cobertas de outras grandes árvores . Aloísio disse que prejudicavam a cabeça porque esquentavam e , a fumaça que exalava do querosene, fazia mal. Falou da substituição que os novos seringueiros inventaram. Para tal, usava-se um tipo de pequenos rolos, como corda curta, feito de restos de látex que escorriam fora da vasilha de recolhimento do leite. Faziam assim: Abriam um pedaço de galho em forquilha e prendiam a corda acesa. Quando chegavam ao pé da árvore, *colocavam* na boca, para liberar a mão e fazer o corte.

Ao contar-me essas inovações e outras criatividades de sobrevivência, eu não via a revolta acerca de sua história "escravizada" e sim como vida diferente, embora sofrida , que vivera intensamente. Lembra com certa saudade dos varadouros, como caminhos inteligentes, para varar e andar pela floresta , a fim de transitar entre as povoações (cidadezinhas) com as colocações de moradia das famílias seringueiras.

As estradas de rodagem começaram a ser abertas, depois que a gente do sul chegou para ocupr a erra e destronar o reinado dos seringais nativos. A devastação chegava junto, e a diversidade de árvores e folhagem que encantavam os olhos, viravam no tom monótono dos campos multiplicados para a criação de gado. O rumo à Amazônia foi em muito enganação e decepção.


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Assim, nasciam também relações de dependência e de exploração, significando, apenas algumas liberdades e um pouco mais de poder de negociação na entrega de produção. Entravam os marreteiros que andavam a pé, carregando utensílios e mercadoria entre as estradas de seringa que restaram. Havia também, os regatões nos rios que eram aqueles que cruzavam parte do Estado do Acre, vindos da Bolívia para negociar. Recorda-se do Rio Iquiri , mas sua vida não foi próxima às águas. Para o Aloísio não são os rios que o fascinam e sim os varadouros, as estradas de seringa e de rodagem.

A economia no Estado do Acre, começou a mudar, quando veio para Manaus, onde o pai faleceu. Hoje, o Aloísio é um idoso fiel a conservar sua saúde e viver agradecido a Deus, por ter envelhecido com fé, com os anos que vão além dos dias, nessa terra, para alcançar a eternidade de uma vida sem exploração. (NP)


 
 
 

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