UM AVÔ MULTIFORME – A FIGURA E O AMOR DE UM LUSITANO PATERNO
- peixotonelson
- 26 de jul. de 2024
- 3 min de leitura
Nos meus dias de criança, um homem cego chegava para almoçar na casa de minha avó. Vinha guiado desde sua casa por um “sobrinho”, chamado Américo, o mesmo nome de meu avô paterno, já falecido. Era curioso para mim, com meus 5 anos, ver aquele "meu senhor" vestido de preto, pois usava batina escura porque era o pároco da Igreja do Rosário.
Não soube quase nada de sua vida em Portugal, mas sua chegada em Itacoatiara, AM, coincide com o início do Estado Novo de Portugal, conhecido como a Ditadura de Salazar, que durou de 1933 até a Revolução dos Cravos de 1974. O contexto histórico e as características do regime político fizeram muitos historiadores afirmarem que tinha orientação fascista. Se sim ou não, ainda está sem consenso entre os historiadores. Essa relação que associa o regime de Salazar com o fascismo é questionada por não poucos historiadores. Pouco importando para nós esse consenso, era um regime anticomunista, tendo havido perseguição dos partidos político e dos opositores. Provavelmente, a personagem dessa história, o Monsenhor Joaquim Pereira, teria sido um perseguido, não bastando para ele as palavras de ordem: Deus, Pátria e Família!
Sem documentação comprobatória, levo-me a opinar que o silêncio do passado do Monsenhor Pereira talvez devesse à perseguição por não compactuar com certa aliança entre os bispos portugueses e o salazarismo, motivados pelo anticomunismo, usado pelo regime como expediente de repressão, pois tinha aproximação com o fascismo na Itália.
O Monsenhor Joaquim Pereira, entretanto, para a minha imaginação infantil, era um “herói vítima da guerra”, pois o conheci cego, idoso, com andar trôpego, mas capaz de provocar em mim admiração acerca de sua existência jovem, ainda em Portugal. O mesmo prestígio teria para mim caso se somasse ao fato político da perseguição o seu vigor missionário que o fez migrar para o Brasil, viajando de navio, aportando em Belém e depois subindo o Rio Amazonas, chegando, enfim a Itacoatiara, e por lá ficando até morrer, tendo sido um pai presente na vida do povo.
Era infalível sua chegada diária à casa de minha avó e o cuidado das minhas tias para com ele. Chegava, sentava-se numa cadeira de espaldar alto, esticava as pernas e os pés, cobertos de meias vermelhas. Com os pés seguros, num apoio para descansar, eu subia e sentia-me montado sobre um cavalinho. Ele não se aborrecia, mas eu o via sorrindo e sentindo a alegria de estar interagindo com uma criança.
Meias vermelhas me chamavam a atenção, com aquela batina com botões da mesma cor das mangas-rosa do quintal dele, onde eu corria e juntava, ao pé da árvore de abricot, aqueles frutos deliciosos, que muito tempo mais tarde, decobri que tinha o gosto de geleia de damasco. Para mim era a melhor fruta do mundo que eu ganhava de presente, embora a manga-rosa e manga-espada fossem as preferidas e abundantes.
Evocando o sentido da palavra "padre", apesar de Jesus dizer que só temos um PAI E SENHOR, são diversas as formas da paternidade no mundo, quando temos o carinho de pai e de avô, aqui nesta terra. É importante experimentar esse amor, porque, à medida que tivermos pais amorosos, será mais fácil confiar em Deus como pai e acreditar que Ele nos ama assim como somos. A figura paterna terrestre não pode esfriar, muito menos se apagar. Se isso acontecer, no coração humano, a figura amorosa de Deus ficará dificil ver a si mesmo como a “pupila de seus olhos”, por tão grande amor.
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Meu Senhor e Monsenhor, derivado do francês (Mon Seigneur), que, além de rimar para nós, é uma experiência da posse dos sentidos que chega ao pensamento e passa ao coração, como razão de crer e de amar, pois pai e mãe, avô e avó são reflexos do AMOR INFINITO DE DEUS.













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