ROSTO EM ROSTO - FALA E ESCUTA, LINGUAGEM DO OLHAR DE IDOSOS.
- peixotonelson
- 27 de jan. de 2024
- 3 min de leitura
Atualizado: 30 de jan. de 2024
"Os riscos sulcaram teu rosto / na dura labuta do tempo / Fugitivos dias...passando / Ficou próximo do infinito o registro da tua história. / Meu Velhinho e Minha Velhinha, / com amor vos decifro!" (NP)
Será que podemos distinguir o que é "fala da boca" do que é "linguagem dos olhos"? Vamos ver a partir do rosto das pessoas idosas. Os vincos no rosto delas são "ciscos de pés de galinha" e até parecem escrita chinesa, anunciando a vida, após o tempo contado em dias de dores, de alegrias e esperanças.
Eu estava diante de uma exposição de envelhecidos rostos, ao lado de barris de vinho. Era um sonho. Comecei a decifrar. Código secreto que era possivel abrir somente os que tinham afeição ou que já tiveram uma experiência terna com os avós ou nas "casas de repouso", "abrigo de velhos" que hoje o Estatuto da Pessoa Idosa chama de ILPI (Instituição de Longa Permanência para Idosos).
(Créditos autorais de : Xanthius)
A "fala" que o rosto acima estampa eu escolhi como registro fiel de um renomado fotógrafo (Xanthius), e ainda está com a boca fechada, sinal de puro silêncio e contemplação. Aqui também me calo para não me perder e nem me prender em palavas. Prefiro a linguagem dos olhos dele para desvendar.
Olhar que traz o mistério interior. Sabemos que Jesus dissera em Lucas, 11,37 - Os olhos são as janelas do interior, trazem a mensagem em letreiro que nos pergunta sobre o que fazemos para reacender a luz e a esperança neles. O olhar nos responsabiliza, no sentido de que nos interpela a dar uma resposta. Podemos ou não aceitar no olhar o que nos pede, além de comida e de agasalho, moradia e saúde? Escutar o que o idoso tem a contar alimenta a chama de sua esperança e faz uma retrospectiva de seus anos?
O amigo, que me acompanhava durante a visita ao Museu das Faces, contou-me uma passagem que agora descrevo, contracenando com as necessidades também essenciais para se viver e fazer de tudo para que os direitos humanos se universalisem como uma democracia social. Ele pedia cautela para não confundirmos com a democracia eleitoral, que, em parte, tornou-se um embuste com compensações, mas muito pouco a plenitude da dignidade humana, que contempla o direito à cultura, à beleza, à convivência entre as diferenças e ao envelhecimento saudável e valorativo das histórias únicas de vida.
Num suspiro angustiado, ele me contou que em umas de suas viagens em Nova York, caminhando pelas avenidas, num entra e sai de lojas, em busca de melhor preço, passou pela frente de uma igreja fechada. Sentado, no batente, ele viu uns grandes olhos encontrado-se com os seus. Um pano contornava a cabeça do idoso, deixando o rosto visível e os olhos suplicantes de alguma resposta. Disse-me que, não suportando aquele olhar, virou o rosto para o outro lado, mas nunca esqueceu a marca que ficou em sua mente.
Nesse momento de perplexidade, meu amigo fez um silêncio como que me pedindo que eu desse uma resposta que só poderia ser a dele mesmo. Calei-me também, mas ele prosseguiu: "Aquele olhar me acusou, clareou minha indiferença e provocou em mim uma resposta que veio quando eu já estava de volta para o Brasil. Acho que foi o meu momento de Deus, que o olhar do pobre me revelou".
Contiuamos a caminhar. Depois de olhar todos os rostos do museu, sentamos para tomar um café, emudecidos e com o pensamento numa outra foto de um idoso que nem olhos tinha para ver. Rosto sem olhar, mas a boca aberta, como quem quisesse emprestar a nossa voz para gritar por compaixão e os nossos olhos para ver além dos dias que passam para todos. Parecia uma máscara que escondia a identidade e nem mais apelava socorro. Era um rosto de um velho senhor de barba branca.
A partir desta constatação do velho cego, de boca aberta, com a barba da cor de asas de anjo, veio ao nosso pensamento as mil possibilidades de amar. Juntos, fizemos uma jura em nome daqueles que se despertarão para cuidar dos idosos.
"Vamos ter olhos para ver os idosos, ouvir suas histórias, entender suas perdas e quem sabe publicar um livro com a sabedoria de suas memórias".













Muito bom! Memórias são essenciais para o futuro.
Excelente ,
Parabéns !