REVELAÇÕES DA SOBREVIDA DO CIDNEL

Voltei a reencontrar-me com ele. Quase não o reconheci. O cabelo tinha crescido e não vi, com nitidez, a sua marca registrada, o sinal de um golpe de facão - terçadada- em forma de V na cabeça. Vitória!

Muitas histórias para contar, queixas para fazer e atos de fé para suspirar. Exatamente, o que aconteceu, diante de mim, entre goles de café. Deixei que ele falasse. Acho que é uma forma terapêutica de afirmar sua nova vida e garantir sobriedade.

Começou elogiando o doador da sua merenda e me contou que este este foi expulso pelo pai, que era um ambicioso que só queria para ele o lucro da lanchonete. Seu doador veio trabalhar com a mãe, separada do marido, que se reinventou abrindo seu próprio negócio.

Fato pequeno diante do que me contou Cidnel, dos acontecimentos atuais de sua família e do próprio passado, como dependente químico, em estado de profunda miséria. Sobrevida, escape ou milagre de Deus, operando em sua vida. Assim combinamos falar e escrever algo de seu passado.

Parava de contar seus casos do passado para falar do presente, lá por onde mora. Loucura de vida, ameaças diárias, sustos noturnos, quebra de paredes, insultos e corridas para o meio do beco. Aproveitou para levantar a perna da calça e mostrar uma série de parafusos que juntavam seus ossos. Voltou a andar, caminhar pelo mundo das latinhas, juntando-as para salvar sua comida e continuar vivo, com sua fé no Redentor de suas dores do corpo e da alma.

Relata, sem compreender como é que sua irmã continua a amar seu sobrinho, que apronta todas, furta, desaparece, maltrata. Ela paga as dívidas de drogas e corre tanto risco, sem abandonar o filho. Diz que não consegue entender amor assim. Aproveitei para dizer algo significativo para mim, em termos de fé. "Cidnel, você sabia que Deus foi assim contigo, comigo e com qualquer pessoa que já aprontou no mundo?"

Lembrei-me do que escrevera S. Paulo aos romanos em 10 20 - 21: "onde abundou o pecado, superabundou a graça. E deste modo, tal como o pecado reinava dando a morte, assim também reinará a graça para vida eterna, por Jesus Cristo, Senhor nosso." De repente, ergue a cabeça e grita para alguém que passa veloz de moto. Conta para mim: "esse aí é meu amigo de igreja que nunca mais apareceu. Sou seu padrinho. Voltou a usar droga e está se perdendo". O motoqueiro veloz e feroz volta. Diante do Cidnel, vi olhares se cruzando e faiscando esperanças de uma vida nova.

Despeço-me dos dois e sigo em oração, acreditando que todo pecador, também se torna para o próximo, um caminho da graça e do perdão.