PERNADAS DE ANGELIM NO LUGAR DE ABRAÇO-CRUELDADE E PERDÃO
- peixotonelson
- há 6 dias
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Atualizado: há 2 dias

Ele, um idoso dependente, estava na cama do quarto de se arrastava, auxiliado por um andador. Porém, naquela vez, encontrei-o só, pegando o ar de um ventilador que soprava pela janela o calor da tarde. Fazia algum tempo que não conseguia ouvir as palavras de sua memória, possivelmente envergonhado devido ao que acontecera com suas pernas, que tinham 16 anos de lutas, tristezas e saudades da famílias, mas que estavam misturadas com as esperanças de voltar a caminhar.
Naquela vez, nossa conversa fluiu com leveza confiante. Mostrou-se simpático e não teve vergonha de dizer que a condição de suas pernas foi devido a uma pancada forte que recebeu em cada uma das pernas quando estava bebendo com o amigo que, alcoolizado, acertou as laterais das duas pernas com um pedaço de cama, feita de angelim, madeira pesada e muito dura, rompendo o nervo ciático. Segundo contou, foi algo armado como brincadeira que o dono do bar fez, por ter inventado que fora ele quem escondera a bermuda de quem o machucou.
O fato aconteceu sem muita razão, a não ser aquela que somente Deus sabe. As suas pernas paralisaram, arrastou-se ainda sem dor, que apenas horas depois, nos fundos da oficina onde trabalhava e morava, chegou a ser a dor mais terrível que acontecera com ele, até então.
O amigo que o deixou sem andar, entendeu o mal que fizera, veio visitá-lo para pedir perdão e trazendo seu almoço do dia seguinte. Perguntei sobre raiva, ódio, raiva, rancor ou ressentimento que sentira, mas me disse que não se importou muito, mostrando uma misericórdia e um perdão que me fez até pensar que somente Deus daria para ele esse gesto de misericórdia.

Percorreu os hospitais, tomou muito remédio e um força interior lhe dizia que ainda ia conseguir andar. Aos poucos, foi se erguendo do chão e conseguindo se segurar pelas paredes e, mais tarde, obteve um andador que o ajudou a ficar de pé e dar os primeiros passos. Porém, nunca deixou de confiar que voltaria a caminhar. Desde então, nunca desistiu de ter esperança, embora já tenha se passado 16 anos.
Recorda um momento muito feliz e uma temporada de dor e humilhação. Alegria de ter recebido a visita da filha que trouxe sua netinha para conhecê-lo e para receber sua bênção. Por outro lado, era sofrido, no corpo e na alma, quando vivia se arrastando pelo chão. "Foi meu pior tempo".

Chegou em Manaus aos 18 anos, como empregado da Andrade Gutierrez, trabalhou na hidroelétrica de Balbina, em Pres. Figueiredo, Am. Lembra-se do Rio Uatumã com sua fartura de tucunarés e ficou triste quando soube que a hidroelétrica de Balbina foi um grande erro, pois alagou uma vasta extensão de mata, com muita madeira de lei, que não foi retirada, contribuindo para o aquecimento do clima, igualmente como uma usina termoelétrica. Comparando-se a abrir um poço de petróleo para aceder uma lamparina.
Lembro com pesar uma declaração crítica acerca da construção desta hidroelétrica e de seus prejuízos para duas nações indígenas (Atroaris e Waimiris), que perderam aproximadamente 2.500 membros desses povos e suas terras em plena ditadura civil-militar com sua política genocida. "Tão pouca energia gerou que podemos comparar a desproporção do prejuízo de vidas e de floresta para nem conseguir abastecer Manaus."
Para conhecermos as tragédias que ocorreram com a construção da Balbina, vem-me a vida de EGYDIO SCHWADE: "90 anos do Peregrino Indigenista", artigo de Gabriel dos Anjos do Instituto Humanitas Unisinos – IHU
"Celebrar os 90 anos tão intensos e frutíferos de Egydio Schwade significa celebrar a vitória da resistência indígena, porque muitos acreditaram, trabalharam e colaboraram na construção da luta pela libertação das comunidades originárias. O que teria acontecido sem a teimosa rebeldia de tantas companheiras e companheiros que junto com Egydio insistiram..."
Meu amigo não se abateu com esse realismo da hidroelétrica que ajudou a construir, e nem perdeu a esperança de voltar a caminhar. Sou testemunha de sua fortaleza interior que o sofrimento transformou- se em ESPERANÇA.
PS. Ps. Escrito este texto, pleno de esperança, encontrei-me com o ortopedista Dr. Jean Adelino Viana que, se for cortado o nervo ciático na altura do joelho, a medicina ainda não tem o que fazer, apenas transmitir força e fé para viver com este limite.
Nelson Peixoto em 23 de agosto de 2025
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