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OS TUKANOS DAS CACHOEIRAS E O MITO GERADOR DA EXCLUSÃO.

  • Foto do escritor: peixotonelson
    peixotonelson
  • 4 de dez. de 2021
  • 3 min de leitura

Há um mês, fiz contato, quando caminhava no bairro, com uma anciã acompanhada de um filho já adulto. Vinham do médico, e na conversa identificaram-se como pertencentes ao povo indígena Tucano. do alto Rio Negro e de seus afluentes, mais exatamente de São Gabriel da Cachoeira, AM. Caminhei com eles até a frente da última casa de uma rua sem saída. Prometi voltar para conhecê-los melhor. Afinal , aconteceu nosso reencontro.

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O ambiente da conversa desenvolveu-se no portão da casa, sob o som de sete cachorros a latir nos fundos do terreno. Entre tantos assuntos abordados, prendemos a atenção para uma lenda, em que professor tucano e sua mãe quase pajé de plantas medicinais da vizinhança nos contaram. Certamente, já tendo sido acrescentada nela, ideologias e remendos ao longo do tempo.


Passo a contar, como a ouvi e processei, através dos filtros de minha experiência, passando pela crítica que despertava em nós para entendê-la. Coisas simples e óbvias nos pareciam. O narrador era o indígena tukano, despossuído professor rural, sábio e humilde, mas que já se graduara em pedagogia pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Formou-se depois de muito custo, já morando em Manaus. Está ainda a espera de vaga para assumir uma cadeira e lecionar para alunos indígenas e outros.


A lenda aparece quando a mãe entra na conversa e descreve as cachoeiras do rio e suas pedras. Nesse momento, o professor foi contando a lenda, a partir de um vinco ou marca gigante na pedra que se assemelhava a proa de uma arca de grandes proporções. Afirmavam ser o rastro de uma cobra grande, tipo navio, que aportou por aquelas bandas longínquas do Rio Negro. Relatou que os antigos diziam, que, dentro dessa cobra espetacular ou "navio", haviam homens de cores diferentes que "deus" colocara dentro para desembarcar e povoar naquele fim de mundo.

Havia um negro, um moreno e um homem branco. O ser supremo da floresta apresentou a eles um grande prato cheio de cobras para serem comidas, tendo no centro uma cobra branca diferente. Fez o desafio para os três, ordenando quem quisesse e tivesse coragem de comer uma das cobras assim fizesse.

Aconteceu que o homem negro recuou e se escondeu. O moreno seguiu o exemplo da retirada para a floresta e não teve coragem. O homem branco, entretanto, estufou o peito, pegou a cobra branca que estava no meio do prato e comeu, tornando-se, de imediato, superior aos dois primeiros que tinham recusado.

Dito isso, o próprio professor começou a decodificar a lenda e foi nos dando aula básica do que nós já estávamos intuindo. E, hoje, se vê indígenas sem território vagando pelas idades,

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Ora, quem conheceu os tipos de almas da democracia grega, ou a descrição justificadora do Estado por Platão, já tinha a aula explicativa iniciada antes do professor Tucano terminar. Enquanto falava, a gente estava lembrando da alma de bronze daqueles que iam se dedicar aos serviços braçais e ser escravos. Aqueles que tinham a alma de prata que seriam os soldados e burocratas, comerciantes e navegadores. Porém, os que tinham alma de ouro, tinham nascido para governar e comandar, falar em nome de todos e saber das necessidades do povo, exercendo assim o poder sobre as posições de cada um, segundo a destinação dos deuses. Deveria se manter imóvel e conformado, segundo o tipo da alma que recebera, com o intuito de evitar conflitos. Platão, assim justificava pela filosofia e pela religião a "democracia" de forma perene como vontade dos deuses imutáveis.


Prosseguia nosso professor Tucano. "Logo, vejo que essa lenda foi inventada para explicar o poder dos brancos sobre os indígenas e negros. Assim, por causa do acovardamento de não enfrentarem as cobras. Por esse motivo os indígenas ficaram subjugados até hoje aos brancos." O uso dessa lenda, segundo o professor, serve para justificar as opressões que os povos nativos da região sofrem.


A invasão das terras pelos brancos, quer sejam militares, religiosos ou outros, é justificada até como seres salvadores que vieram, com seu modo de produção e sua cultura, domesticar e colonizar os indígenas destinados a serem dominados.


Terminada a narrativa da lenda ou do mito explicativo do domínio dos brancos, podemos entender que seria preciso romper com as ordens dos deuses para que as relações entre brancos e indígenas chegassem a um termo de justiça segundo as potencialidades e necessidades de cada um.


Ficamos de nos encontrar outras vezes, para ouvir também as belas narrativas de resistências, o que também muito nos interessa.




 
 
 

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