OS PÉS DE ABACAXIS QUE NÃO FRUTIFICARAM NO MEU CHÃO
- peixotonelson
- 20 de ago. de 2022
- 2 min de leitura

A merenda das crianças era caprichada com frutas, nem tanto variadas, mas em destaque com o abacaxi que vinha em carregamentos das terras de Roraima, assim como a banana que se vendia pelas ruas da cidade.
Mas o "futuro que cheira muito" (abacaxi), com tradução livre do tupi-guarani, é nossa atenção. Confundida como flor ou fruto, é uma bromélia diferente, que é comestível, fornece bom suco, refrescante e antioxidante!
Flor pouco usual na poesia e muito espinhosa em sua autodefesa. Escolhi para plantar e cuidar. Decretei para mim mesmo que todas as coroas dos abacaxis consumidos pelas crianças seriam devolvidos em plantação. Resistentes para morrer e fáceis para ficar aí com uma pontinha do dedo da coroa no solo.
Com pés no chão, raízes em crescimento que se perdem nos labirintos da terra, pensamos nas lições que o abacaxi nos dá, exalando seu perfume na nossa imaginação. Resistente e difícil de morrer, teima permanecer no chão árido, mas sem resultados visíveis.
A terra toda vira seu habitat e da coroa brota seus ramos filhotes, que dizem ser mais potencialmente capazes de crescer e frutificar do que plantar a própria coroa fixando-a na terra estéril e arenosa. A nossa plantação de abacaxis é exemplarmente um baú de segredos que só o coração de quem ama as diferenças é capaz de entender sua trama até chegar à Manaus, vindo de Roraima.
Os ramos de sua folhagem diferente são espinhosos e pontiagudos ao final, com bordas de serra ao longo delas. Proteção que a natureza criou para salvar o fruto dos predadores e defender seu território nativo.
A vida protegida e a natureza sábia, assim como seu povo originário estão em risco de perder seu arsenal de defesa contra a invasão humana que cartorializou a posse e expulsou os que faziam da terra a mãe e mestra da vida sustentável.
A Roraima dos abacaxis, também é nação originária dos yonomamis, vitimados pelo vírus da cobiça de suas terras, bem antes da pandemia da COVID-19.
Nossa plantação, mesmo no duro chão, apesar de beber no verão e de se encharcar de água no inverno, não brotaram frutos, permaneceram com suas coroas quase depostas de um reinado sofrido e inútil.

Um amigo meu, que se faz de roceiro, me perguntou se podia destroçá-los Respondi penosamente que apenas uma pequena parte. De longe, escutei a roçadeira por uns 2 minutos até parar. Fui lá e descobri a dificuldade de destroçar os pés com a máquina. Resistiram sem dar fruto, teimavam ficar mais um ano, ocupando a terra e enfeitando a grama. O corte da grama entre os pés acontecia, mas permaneceram firmes numa resistência milagrosa.
Três a quatro pequenos abacaxis ainda brotaram das safras que não aconteceram no percurso de 4 anos. As crianças, sem perder tempo, resolveram arrancar para brincar de comidinha. Foram perdoadas porque souberam dar destino feliz para os pequenos abacaxis.
Arrancar da terra, retirar cada ramo espinhento, daria tanto trabalho que resolvemos dizer que eram pés de bromélia enfeitando o "deserto" para sempre, sinalizando que as terras dos yonomamis, não se medem pelo que pode ser vendido, mas sim pelo que pode ser revivido em sua história ancestral como ressurreição.











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