O TABOCAL DAS "ALMAS PENADAS" E UM BANANAL ASSOMBRADO DE LUZ.
A história fantasiosa que estou lembrando, ouvi durante uma "noite de terror", quando ribeirinhos se reuniram e cada um contava versões de memórias dos antepassados, que tinham medo de visagens em forma de almas penadas, pedindo reza. Os antigos contavam coisas mirabolantes de arrepiar os cabelos e perguntavam: O que podemos saber do outro mundo? São Pedro já dissera para Jesus: "Senhor, a quem iremos? Só Tu tens palavras de vida eterna"(Jo.6,68). Vou viver para sempre contigo quando morrer. O consolo para quem morreu acontece na memória de quem ficou e nas preces pelo descanso eterno. Vamos caminhar no amor e sem fazer mal a ninguém!.
Vejamos uma dessas histórias, disse o Sr. Almino que, coincidentemente, tinha o nome parecido com alma. Ele foi contando uma história acerca do mal que os vivos faziam para os jovens da cidade.
"Vocês sabiam que eu encontrei. em cima da sepultura do meu avó, um escrito em papel almaço, no cemitério que fica, quase no fim deste igarapé? Pois bem, trazia o escrito, assim: 'Quando o vento bate nas varas altas das tabocas, ouvem-se gritos ecoando naquele estirão de águas correntes do igarapé, pois são almas do outro mundo. Os canoeiros devem evitar aquele porto para chegar à terra firme. Após a subida íngreme, as moites de taboca viram almas perdidas que choram aos gritos'.
Diziam que naquelas redondezas, em subida para se chegar até a um lindo bananal, nunca se soube quem o plantou Mas todos acreditavam que eram as almas dos defuntos que por ali passeavam. O fato era que o bananal tinha também a fama de assombrado e barulhento.
Após ler o bilhete que encontrara na sepultura, o Almino foi logo avisado que, apenas uns estranhos homens da cidade não tinham medo daquelas paragens! Mentira ou verdade? O que aqueles homens escondiam, depois do bananal. Ora, para chegar lá, tinham que passar pelo cemitério, o Almino prosseguiu o relato apesar da dúvida, mas desconfiando, chegara a ele uma fofoca que não havia um bananal e sim um maconhal escondido.
Certa vez, três traficantes entraram naquele igarapé, porque eles mesmos eram os donos da plantação de maconha, situado muito além do imaginário bananal. O trio tinha inventado a fama das visagens e dos gritos desesperadores das tabocas, dizendo que eram almas do outro mundo. Era a Luz Eterna brilhando para os falecidos, no dia 2 de novembro daquele ano.
Certa vez, tres deles, chegaram de mansinho, remando sem barulho, aportaram a canoa e começaram a subir o barranco, entre as moitas de taboca. Naquela noite de luar, mesmo sem lobisomem, o vento da madrugada começou a soprar para que a sinfonia macabra do tabocal começasse a gemer e a gritar como gente. Ate parecia que as almas do outro mundo estavam contra o cultivo da maconha.
Assustados, um olhou para o outro e viraram o rosto para o porto. Viram a canoa saindo e pegando a correnteza. O fato é que não dava mais para voltar, continuando a subir como mudos, ouvindo os gritos que vinham das moitas. Um deles se lembrou que assombração se combate com outra assombração, e que precisa ter coragem para enfrentar, mesmo com medo e não fugir.
Assim, continuaram a subir, tirando o terçado da cintura, caminhando e circulando as moitas, pensando que tinha algum caçador ou investigador da policia. O que fazer a mais para amedrontar aqueles que estavam por ali para e afugentá-los? Como seguir adiante até a plantação de maconha? Eis a brilhante ideia que tiveram com a melancia que traziam para o lanche, sonhando com a lua coberta de folhas de maconha..
Vamos parar e comer a melancia. Assim fizeram. Cortaram a melancia no meio, comeram cavando com as mãos e, igual a dois capacetes, fizeram dois furos imitando os olhos e colocaram na cabeça. Apenas um ficou sem a máscara de melancia, segurando o terçado mais amolado. Nos primeiros passos, com aquele disfarce, começaram a aparecer os obstáculos.
O primeiro obstáculo foi vencido:
Os traficantes ouviram um estrondo na floresta, vindo da direção da terra firme. Foi aumentando até apareceram uma manada de porcos selvagens, batendo nos dentes a descer a ribanceira, indo deitar-se ao redor das moitas do tabocal. Foi somente um susto para os corajosos recuarem para a beira. De lá, passado algum tempo, ouviram os porcos ressonarem, porque o vento cessara e os atritos das varas da taboca não existiam mais. Somente o medo de perder a plantação de maconha e não mais levar para a cidade.
O segundo obstáculo foi trágico:
Como o objetivo era alcançar a plantação de maconha, depois do bananal, resolveram subir o barranco pelo porto de pedra, que ficava mais adiante. Entretanto, o rebojo do igarapé tinha trazido a canoa de volta. Ao pularem na canoa sentiram que estavams sobre o lombo da cobra grande que carregou os traficantes para a boca do rio, onde ela os enguliu com canoa e tudo. Aquela pequena cidade se livrou dos traficantes. Foi o fim.
Os presentes, diante do meu silêncio, começaram a falar da história, que começou com o relato do escrito, encontrado no velho bau do avó, deixado no buraco da cova do cemitério, e colocado alí pelos próprios traficantes. Como dizem por aí: "Tudo foi armação, uma pedagogia do medo, para esconder o crime que levava à perdição a juventude da cidade".
Naquele tempo, as escolas não discutiam a questão das drogas, sendo raro para a policia se ocupar com os cultivadores e com os traficantes, acreditando ser preciso apenas punir os jovens, jogando-os na miséria das prisões, quase sempe cheias de pobres, sem defesa de advogados.
Para finalizar, lembro dois ditados, desmetindo os "fantasmas": "Quem com ferro fere, com ferro será ferido" e "feitiço caiu em cima do feiticeiro", com a intervenção da cobra grande.
Nem visagem, nem assombro e muito menos almas penadas. De pena a pagar, somente os jovens usuários de maconha, pois naquele tempo não havia canabidiol como remédio, apenas a cana de açucar destilada em cachaça, para dar coragem de enfrentar os bichos da floresta e os carapanãs dos bananais.
Nota de rodapé: No Brasil, o canabidiol já pode ser prescrito por médicos psiquiatras, neurologistas e neuro-cirurgiões em receita especial de duas vias. Em 2015, a ANVISA remanejou a substância para a Lista C1 do Controle Especial, fazendo com que a mesma deixasse de fazer parte da lista de substâncias proibidas (Wikipédia)
Observação: As quatro belas fotos são cedidas pela artista fotógrafa Gisele B. Alfaia @giselealfaia
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