O FUNERAL DA CASTANHA OU A EX- POUPANÇA DOS POBRES DA MATA. “BERTHOLLETIA EXCELSA”
- peixotonelson
- 6 de jan. de 2024
- 3 min de leitura
Neste inÍcio de ano novo, abrindo 2024, escolho começar a escrever a presente MEMÓRIA DE RESISTÊNCIA. Farei um relato, entremeando-o de esperanças e crente no processo que, apesar de anos de dor e abandono, teve alegrias, sorrisos, muito amizade, entre companheiros de trabalho na coleta da castanha (Bertholletia excelsa). A árvore traz o nome científico de "excelsa". Sim, é uma árvore alta, soberana, longeva, capaz de viver até 800 anos, alimentar gerações de nativos castanheiros e garantir a sobrevivência de pai para filho, como um tipo de poupança. Essa parte pode parecer idílica nas terras altas da Amazônia, que sofre seu esgotamento com a devastação por queimadas e por concentração de terras para as culturas de soja ou de pecuária.
Das poesias e dos cantos da floresta, povoada de castanheiras, o mundo foi mudando e a história dos posseiros e donos primitvos dos castanhais também. Prendo-me às formas análogas a escravidão que escondiam e disfarçavam a opressão. Até se usava "a vontade de Deus" para conformar os pobres e naturalizar as desigualdades sociais. em contradição da fé libertadora segundo a prática de Jesus. Este "modus vivendi" foi germinando, como semente miúda, e prosseguindo na humanização das relações de trabalho. Porém, não contávamos com a reinvenção de novas formas de exploração do trabalho, com a crescente acumulação das riquezas nas mãos de menos gente.
Conceci a enseada do Poço Profundo, AM. Uma "colocação" de castanha farta. Na primeira vez que passamos nesse lugar, era fim da coleta desta "droga" da floresta. Os paióis estavam cheios e os castanheiros a cuidar de suas roças. Um tempo alegre, sem capataz morando no local, mas na cidade a negociar o preço da produção. Era o sobrinho do proprietário, que se criara em uma cidade grande e, já casado, voltara para ajudar o tio, porém passando mais tempo na cidade próxima.
A visita que fazíamos na localidade era para conhecer a realidade dos castanheiros, ou seja, a situação dos "colocados", que eram fregueses do patrão, recebendo os bens para suprir as necessidades mediante o acordo de entregar toda a produção. O ajuste de contas aconteceria no fim da entrega da castanha. De acordo com as despesas realizadas e o preço da castanha, o saldo era variável. Mesmo assim, havia um clima de confiança entre o patrão e os trabalhadores. De um modo geral, muito se falava da exploração nessas áreas de castanhais nativos.
Esta propriedade não era tão trágica, em exploração do trabalho. A diferença entre os patrões dependia muito da distância da sede do município. A enseada do Poço Profundo era uma das propriedades mais próximas e tinha como patrão um homem piedoso, tanto que, quando o Papa veio a Manaus, levou uma lembrança para cada família.
Apesar de tudo, a vida era dura, tempos de muito trabalho para pegar a castanha na "boca da cobra", como diziam. Precisavam juntar as castanhas debaixo das árvores, com risco de vida caso um ouriço caísse na cabeça. Depois de quebrar os ouriços com golpes de terçado e transportar em paneiros para os depósitos, perto de casa, no momento certo, levavam para o paiol ou o barracão somente na presença do patrão, quando cada um media as quantidades de castanhas coletadas, em hectolitros.
A nossa visita coincidiu exatamente quando a castanha já estava amontoada no paiol. O patrão deixara um garrafão de vinho para que seus fregueses tomassem quando o missionário passasse. Com essa informação, resolvemos, naquela ocasião, fazer a celebração que intitulamos "Funeral da Castanha".
Reunimos os homens e fomos, entre outras coisas, consolidando duas partes da celebração. Primeiro, enumeramos as dificuldades, os perigos e as desgraças da vida em castanhais, considerando também as "colocações" mais distantes e seus moradores. Na outra parte, foi combinado fazer tal como o "enterro" de gente: cada um se aproximaria do monte de castanha, jogaria um punhado delas sobre ele e diria o que quisesse. Depois, todos rezaram o "Livrai-nos, Senhor".
A celebração foi se concluindo com o Pai Nosso e os abraços entre os companheiros. Abrimos o garrafão de vinho e cada um tomou um pouco. Nessa hora, lembramos que Jesus fez um gesto semelhante, antes de padecer sua Paixão na Cruz a caminho da Ressurreição.
PS. As fotos são cedidas gratuitamente por Gisele Alfaia. Instagram @giselealfaia













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