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O AMIGO DAS MATAS DE PETRÓLEO

  • Foto do escritor: peixotonelson
    peixotonelson
  • 25 de fev. de 2023
  • 3 min de leitura

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Caiu num domingo de chuva. Escapei entre os pingos para ir até a praça e planejar o cumprimento da promessa de celebrar os 59 anos do Olavo Marinho (Caroço), indígena desaldeado e sem território da floresta, de onde, um belo dia, na metade dos anos 50, brotou petróleo.

O Márcio, nosso amigo comum, garantia a presença do Caroço na praça-dormitório, que era protegida pela "Santa" Inês, uma vizinha que, de tão magrinha, corria o risco de voar quando a ventania balançava as mangueiras.

Verifiquei a certeza da presença do Márcio no seu "trono cativo", onde seria coroado do aniversariante amigo Caroço e ladeado por uma galinha sabrecada na churrasqueira da esquina. Um sinal de bolo "fake", em cima do qual colocaríamos uma vela acesa. Mas quem é o Caroço para ter esta festa silenciosa e sem publicidade?

É um nativo indígena da etnia mundurucu, mas considerado "mudurucanha", que é uma classificação para aqueles dissidentes à esquerda política dos mundurucus, considerados afastados e não legítimos, um "rana" (falso).


Nossa hipótese vai por aí, ouvindo a história do Caroço, provavelmente é um daqueles que deixaram de ser aldeados e aderiram a negociar com os brancos, perdendo suas terras e entregando sua força de trabalho. Originário das matas do Rio Madeira, que se entendem aos fundos (norte) da cidade de Nova Olinda, no Amazonas, podemos especular.

Embora a invasão das terras dos povos originários já seja milenar na história da humanidade, e centenárias na Amazônia, foi em 1955 que a Petrobrás, fundada em 1953, encontrou "garimpando" legalmente as terras, o "ouro preto" (petróleo). Tanto foi a empolgação do achado na época, que uma foto do governador, com terno branco manchado de óleo, ganhou manchetes dos jornais Brasil a fora. Tem mais. O pequeno distrito virou o Município de Nova Olinda do Norte.

Intensificou-se assim a dissidência entre os mundurucus e surgem entre eles os "mundurucanhas". Meu amigo aniversariante é o "Índio Caroço", como o chamam, que nasceu no contexto de expropriação da terra como homem submisso com seus pais e irmãos dentro do trabalho na coleta da castanha e da pesca para os patrões dos rios.

Veio para Manaus ainda jovem, carregou seu estigma de "baixinho, índio manso e cachaceiro". Este último título magoa o amigo que escreve essa crônica. Embora seja verdade, minha amizade com ele vem em forma de compaixão pela doença de alcoolismo, que tomou conta de sua vida. Quando se excede, cai dos bancos, machuca o seu rosto redondo que nem caroço de tucumã.Não é para menos e podia ser pior. Entretanto, antes do agravamento da doenca, trabalhou numa casa de material de construção, entregando a força de seus braços fortes e sua mansidão. Com a falência da casa, seu abandono não foi tão dramático. Houve gratidão da parte do patrão que o dispensou, mas permitiu que passasse as horas de sono, induzido pelo álcool, atrás do velho prédio da loja.


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Sim, mas a festinha miúda e silenciosa de aniversário no banco da praça? Tudo pronto e nada do Caroço chegar. O Márcio, que não tinha comido nada, quando deu 12 horas, queria morder o frango e assim fez. Eu saí para chamar o Caroço e o encontrei sentado na lateral do casarão de material de construção. Avisei o combinado e disse que estávamos no banco da praça lhe esperando. Não veio.

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Fiquei sabendo que as filhas do velho patrão prometeram um bolo. Ele estava feliz lá e ficaria conosco também.


Montamos o banco e cantamos o parabéns para ele, mesmo ainda ausente. Gravamos um vídeo, no qual o Márcio declarava a amizade ao companheiro de garrafinha e de caminhada nas ruas.

No dia seguinte, encontrei-me com o dois e tive certeza de que comeram o frango e os dois brigadeiros que deixei.


Foi triste vê-lo sem dizer "coisa com coisa", que o Márcio traduzia.


Hoje já os vi, um atrás do outro, seguindo seu caminho, como Cosme e Damião das "águas que passarinho não bebe".


Bem que poderiam ser os guardiões das matas habitadas pelos Mundurucus. (NP)


 
 
 

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