MOISÉS, O MENINO REI QUE FUGIU DO TRONO DE FOGO
Meu menino Moisés foi tirado do fogo. O libertador do povo hebreu, no Egito, foi salvo da água, como está registrado na Bíblia. Tirado das águas correntes, onde banhava-se a princesa, foi salvo assim, segundo o relato no livro do Êxodo, 2,2-10.
O Moisés que conto aqui era um menino esperto que nem cabritinho veloz. Pulava e brincava perto e longe de casa, subindo e descendo pequenos morros, escondendo-se dos colegas entre arbustos nas redondezas da vila onde morava. De família humilde, vivendo em barraco, muito sumia de casa e unido aos meninos e meninas, entre 6 a 10 anos, passavam horas nessas atividades livres na natureza. Menino inteligente, tudo prometendo ser aquele que com seus irmãos tirariam a família da miséria daquele ambiente poluído por duas fábricas de cimento.
Num dia de sol forte, no fim da brincadeira, já quase anoitecendo, antes de voltar para casa, Moisés, 4 anos, acompanha os meninos grandinhos e acaba ficando só por uns instantes. A partir daí, vai traçar seu destino e passar pela noite escura da sua vida.
Aconteceu que a Fábrica, havia descarregado nas redondezas, resíduos de carvão em brasa dos fornos, numa encosta de um dos morrinhos, justamente perto das estradinhas onde as crianças, naquela tarde estavam brincando. Despejo, considerado criminoso e irresponsável pela Justiça.
Notícia da época - DFTV de 10/01/2007:
Moisés , 4 anos, teve queimaduras graves por todo o corpo. Segundo os médicos, o menino perdeu dedos dos pés e da mão. O acidente foi em agosto do ano passado. Moisés estava brincando perto de casa, em uma área da fábrica de cimento, a 35 quilômetros do centro de Brasília. Caminhões haviam despejado restos de pó de carvão no local. O material inflamável exposto ao sol ficou muito quente e causou as queimaduras na criança"
Este pequeno, foi acolhido nas Aldeias Infantis SOS com mais dois irmãos e uma irmã de 15 anos. As mães de acolhimento que cuidaram deles eram irmãs Silvia Lélis e Maria Divina. Tornei-me guardião e tutor desse pequeno mártir das dores que vivia sorrindo. Chegou com as pontas dos pés e os dedos das mãos inflamados, precisando de atenção redobrada e muitas idas ao Hospital. Moisés livrou-se da inflamação e voltou a brincar. Completou 07 anos, talvez a primeira festinha de aniversario em companhia de seus irmãos maiores e a mãe. A Aldeia entrou na vida da família a fim de auxiliar com os cuidados especiais que precisava naquela temporada. A família tinha dificuldades de acompanhá-lo, devido a distância para seu exigente tratamento, estudos e outras necessidades, conforme a sentença judicial imputada pela Justiça à Fábrica declarada responsável, como reparação.
O tempo que convivemos com o Moisés e seus irmãos, não chegou a ser 4 anos. Grandes foram as iniciativas para que não sentisse a ausência da família. Moises era bem humorado. A alegria fazia inveja a quem chegava perto dele e sentia pena. Brincávamos com ele como o "Moisés Salvo do Fogo". Menino que não sentou no trono porque como criança não queria reinar quieto, movimentando-se, pulando com pés e mãos. Foi numa dessas travessuras que, sobre o pó de carvão das fornalhas, pulou com pernas e braços no chão.
Tudo ficou gravado na memória de quem cuidou dele. A esperança de ver seus dias futuros, ficou à distância de nossas possibilidades.
Junto ao mistério inefável do amor ficou a dor que ele venceu, apesar das marcas do corpo que tocamos por amor.
Que história! E onde está Moisés?