LINDENBOY, UM MENINO BONITO, AMANTE DO SILÊNCIO COM MEDO DO ABANDONO.
- peixotonelson
- 13 de jan. de 2024
- 3 min de leitura
Ele é um ex-menino, agora idoso que encontrei fazendo seu "balanço" de vida, em frente de árvores frondosas que permitiam uma boa sombra, num banquinho de cimento. Apesar de seus olhos serem, um lado azul e o outro verde, o céu estava estampado ali, assim como o tom da floresta que margeava o rio, desde seu tempo de pescador e de peão, na mineração de bauxita. Agora nos seus olhos não havia tanto brilho como panela de alumínio ao sol.
As duas cores simbolizam o equilíbrio que sintetiza sua visão e percepção da vida. Ele foi me contando dos meses que passava longe de casa, nos altos rios, esperando dar os lances para os barcos de pesca do seu patrão. Dias e dias navegando em lagos distantes, aguardando os grandes cardumes para armar a redes e cercar os peixes. Lotando um dos barcos, este seguia com os peixes para Manaus, mas ele permanecia mais tempo, até o último barco capturar mais peixes. Só, então, voltava para casa , mas sem afastar seus olhos lindos e cativantes do rio que fomara a "barreira" do bairro do Educandos, em Manaus. Dali, sonhava com os peixes, tornando-se amigo de valentes e audaciosos pescadores, e imaginando os tesouros do mar e da terra. Naquele tempo, nem pensava trabalhar na extração de minérios das empresas que estavam promovendo o impacto ambiental no Rio Trombetas, no Pará, pela Alcoa e a MRN.
Acostumou-se na vida barulhenta do Educandos, entremeando-a com a solidão das longas e distantes pescarias. A rotina da vida malhou seu jeito de ser, por necessidade ou por aventura. Alistou-se numa mineradora e foi levado para o Rio Trombetas, PA. a fim de trabalhar com a extração de cassiterita e fazendo a manutenção das máquinas.
Não foi fácil naquele tempo atuar como "peão do trecho", embora preparando o terreno para a chegada do maquinário. Era um tipo de trabalho coletivo, um tanto comunitário ser aquela vida de homens destemidos, muitos sem família ou com a família na memória da saudade. A diversão era cachaça e as voltas no rio, por 4 horas, para chegar em um recanto onde viviam as profissionais do sexo. Por ser tão longe, tanto quanto a sua família, desistiu de alcançar as "donzelas" capturadas da vida pobre para um garantido "ganha rancho". Se um dia voltasse, seria para os braços da esposa e dos filhos.
Certa vez, dizia-me, fomos ao almoço no refeitório dos funcionários, batia saudade da família, pois era Dia das Mães. Os dois refeitórios eram próximos e dava para ver que, em cada um, servia o almoço daquele dia festivo". Nasceu uma revolta entre os peões porque estavam comendo uma buchada, enquanto que os mais graduados estavam almoçando frango assado. Se os graduados fossem cearenses de raiz, esses é que estariam revoltados por não estarem ceando buchada.
A saudade da família aumentou e aquele dia foi o estopim para voltar para casa. Retornou a Manaus e passou um tempo como motorista dos ônibus da empresa "Ana Cássia". Não foi longe nessa ocupação, preferiu voltar-se para a mineração Pitinga em Presidente Figueredo, Am, mas próximo de Manaus, nas terras ocupadas no passado pelos indígenas Waimiris e Atroaris.
Por lá, o gosto pela bebida voltou junto com os companheiros que se excediam e ficavam sobre sua observação. Colegas de trabalho que vinham do alojamento ou das folgas, passavam por uma pequena lagoa farta de peixes, inclusive, com arraias gigantes, retiradas de buracos e jogadas, por brincadeira, entre eles, bêbados em divertimento. Num parêntesis, até se chega a pensar que arraias não enfiam o ferrão em carne temperada de álcool. Nesta algazarrra, outros peixes eram levados para a cozinha, a fim de garantir mais uma dose de cachaça.
Quando o senso aventureiro baixava, as pedras serviam de altar quente para um gesto de partilha fraterna que antecipava o avanço dos anos. O Lindenboy, com seus olhos azuis e verdes, enrijecidos pela idade, enquanto contava-me esse pequeno capítulo de sua história. A solidão voltou a magoar seu coração com o avanço dos anos que agora nos faz pensar como um candidato ao abandono da família. O agravante parece ser o silêncio que habita no olhar que se direciona para mim, como quem suplicando novos amigos para conversar.
Atentemo-nos aos idosos que passam por nós! Mais ainda, que procuremos aqueles que estão pertinho da gente e cruzamos o olhar com indiferença!
Obs. A foto da paisagem "do rio enchendo" é da amiga fotógrafa Gisele B. Alfaia @giselealfaia














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