JIRAU DE FOGO NA SOLIDÃO
- peixotonelson
- 19 de ago. de 2023
- 2 min de leitura

De A a Z, ainda resta na memória, de meu tempo de missionário, o nome da menininha desta história. Chamava-se ZENILDE. Com essa lembrança de quase 45 anos...,
"Segue minha versão /
pedindo perdão /
se ofender algum patrão,
Mas insisto na libertação /
se persiste a escravidão".
"Maldita castanha / de ti só ganha / quem mata e maltrata /quem rouba e quem mata"
Esse era o refrão no caminho das águas rastreado na floresta ou sob a sombra das castanheiras.
"E o barco velho / de zinco ia navegando, / sobre as lágrimas choradas / dos irmãos explorando"

O pai da Zenilde era um tirador de castanha da "boca da cobra", como diziam alguns "colocados", que não podiam pensar em cultivar bens de raiz permanente. Plantar apenas mandioca, milho, jerimum ou cebolinha ou ir para o lago pescar e caçar.
O patrão, de olho grande nas castanheiras e seringueiras, trazia e vendia os bens básicos como sal, açúcar, óleo de cozinha, rede de dormir e de pescar, anzóis e linha, negava-se a deixar gasolina. Era uma medida de prevenção para que seu "freguês" não tivesse a tentação de vender produto para outros patrões. Assim era impedido de ir para a cidade fazer compras de outro fornecedor. Nessas condições, certa tarde, aconteceu um desastre com a pequena Zenilde.
Era tempo de açaí. E a mãe fervia um panelão de água no fogareiro no alto do jirau (avanço na choupana que, trepada sobre paus, servia como tábua erguida, às vezes, de fogão, às vezes, de pia de lavagem das panelas.
Zenilde brincava debaixo da casa, bem onde se situava o jirau. Distraída com suas bonecas de milho e seus gravetos, de repente, toma um susto. O panelão de água fervente vira e escorre sobre ela, queimando-a muito. E agora, o que fazer naquela distância da cidade? Como socorrê-la?
Desespero e sofrimento durante muitos dias, inflamação, choro, angústia do pai para salvá-la. Zenilde morre e com ela a única vela acessa que crepitava e trepidava as tábuas de paxiúba da choupana, quando soprava o vento, apagou-se para sempre durante o velório.
Ficou a dor para o tempo esquecer!
Ficaram as relações de trabalho escravo para serem superadas!
Esse martírio não foi esquecido, e foi luz para os olhos de muitos castanheiros e seringueiros lutarem por sua libertação.
(Extraído do Livro de Nelson Peixoto - "O Segredo Redentor dos Rios", Goiânia, Ed. Alta Performance, 2021.)











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