EXPULSO DA TERRA, CAÇADOR , AMIGO DE TODOS, MAS TRAÍDO.
- peixotonelson
- 27 de abr. de 2024
- 4 min de leitura
Os amigos, que migraram de outros estados do Brasil, contaram-me de suas aventuras no Amazonas. Dou destaque para o “Maranhense Mormaço” que, na porteira de seu sítio, ostentava a cabeça de uma onça-vermelha, como dizia e se gabava do feito, dando graças a Deus porque conseguira escapar. Vivia como caçador profissional, vendia e trocava carne de caititu por chumbo grosso para permanecer ativo.
Não entrou em detalhes sobre os motivos que o fizeram vir para o Amazonas. É comum que homens, ainda sem família, saíssem em busca de vida melhor, a rebater a falta de terra para cultivar e a falta de emprego.
A motivação maior pareceu, em certo tempo, a busca do ouro em algum garimpo. Quem sabe não tenha sido um conflito armado no Maranhão por causa de terras que lhe foram expropriadas.
Segundo o IBGE, o Maranhão é o Estado do Brasil com a maior proporção de pessoas em estado de extrema pobreza. Os 8,4% dos extremamente pobres do país moravam no Maranhão em 2021. O município de Marajá do Sena tem a pior renda per capita do país, onde 50% da população vive com menos de R$ 20 por dia. Por outro lado, o município de Santa Luzia possui uma das maiores concentrações de latifúndios do país. Há grupos econômicos que detêm a propriedade ou o direito de exploração de fazendas com até 72 mil hectares.
Segundo Roberval Amaral Neto, do Instituto Federal do Maranhão, temos um depoimento estarrecedor sobre a questão agrária e uma das determinantes causas da pobreza do povo.
“Em 17 de junho de 1969, o então governador do Maranhão José Sarney aprovou na Assembleia Legislativa do Maranhão a Lei Nº 2.979, conhecida como ‘Lei Sarney de Terras’. A justificativa para a sua aprovação era a modernização do estado, que vivia o mito político do Maranhão Novo. Assim, as terras devolutas do estado, ocupadas há séculos por posseiros e povos tradicionais, foram mapeadas e postas à venda pelo governo, visando tanto permitir o avanço dos capitalistas quanto desmobilizar os movimentos sociais. Isso provocou a invasão de terras camponesas, assassinatos de posseiros e pistoleiros, a insurgência de organizações sociais e sindicais, prisão de lideranças populares e forte repressão do governo. Os camponeses resistiram de várias maneiras...!”
Tal situação está no bojo das causas da migração maranhense e no fascínio da busca de ouro como força para ser aventureiro e abandonar suas raízes culturais, tornando-se, com facilidade, um andarilho ou um sitiante autônomo, capaz de reeditar uma nova vida com as virtudes de resiliência e de extrema coragem que trouxeram. Escolheu viver como caçador no Amazonas.
Aqui situamos a vida do “Maranhense Mormaço”, que viveu, na sua terra de origem , sem um chão para plantar e sem direitos numa dramática experiência de infância e de juventude. Ganhou o mundo para encontrar o brilho do ouro nas lavras paraenses. Bastavam um “pulo de gato” para cima de um caminhão, o enfrentamento da poeira e a ousadia para se embrenhar nas corredeiras e barrancos de Itaituba, PA, conhecida como “cidade pepita”, e, por pouco tempo, esquecer as terras que nunca foram suas. Passou pouco tempo no garimpo, mas não realizou nenhum sonho, mas conseguiu restinhos de pó dourado que lhe deram coragem de avançar por água e por estrada até o Amazonas e se alojar na Estrada da Várzea (Silves-Itapiranga, AM).
O sinal de ter sido garimpeiro era o dente de ouro quando sorria para seus fiéis amigos e servia água no seu pote de barro.
Não tive detalhes da aquisição das terras, provavelmente, com a compra do pó de ouro das pessoas que se cansaram de morar no mato e sonharam com as periferias de Manaus. O retirante que comprou as terras se viu desafiado pelos animais ferozes, mas sempre muito felizardo com as caças miúdas que sempre beiravam sua choupana, entregando-se para alimentá-lo.
Nesse contexto de muita caça, disse-me um de seus amigos que o conheceu muito e o visitava que as onças começaram a rondar sua choupana, atraídas pelo sangue das caças. “Por incrível que pareça”, disse o amigo. “As onças com suas inteligências intuitivas, entenderam que ali estava um concorrente promotor das presas dos felinos”. Eis que um certo dia, não tão longe de casa, foi surpreendido por uma onça-vermelha.
Assim aconteceu. Fora dar um giro até um pé de fruta silvestre, sentou-se perto do tronco e começou a roer uma fruta chamada uxi (Eudopleura uchi). Um facão na cintura e a espingarda escorada num tronco próximo. Ao escutar o farfalhar de folhas secas, ergueu-se, já com uma onça a menos de um metro “apalpando suas costas”. O único tempo que teve foi de enfiar o facão entre as patas do animal, alcançando o coração. Escapou, por milagre, das patas dianteiras e, pegando a espingarda, descarregou as balas sobre a cara do animal, cegando-o imediatamente, e caído sobre seus pés trêmulos, suas costelas estavam em carne viva. Escapou e nunca mais esqueceu este feito e o perigo que quase o levou para a morte antes do tempo.
De outros perigos tinha escapado, pois a mão já tinha atrofia e marcas que dizia ser de cobra, ou qualquer outro animal feroz. Essas marcas e seu porte físico davam para ele um certo ar de mistério e provocavam histórias imaginativas dos vizinhos sobre seu passado. Por causa disso, ficava no ar um certo medo de aproximação, que ele mesmo desfazia quando o conheciam melhor.
Teve uma companheira que foi embora e uma filha que o visitava, raramente, com os netos, o que o fazia sofrer muito de solidão. Pelo fato de ter um igarapé no terreno, com uma água maravilhosa para banhar-se, recebia muitos amigos para aliviar a solidão.
Para o amigo de longe, a quem dou o crédito desas fotos e foi o meu depoente desta temporada da vida do “Maranhense Mormaço”, disse-me que o diabete estava roubando-lhe as forças para ir ao mato caçar.
Resolveu montar um pequeno bar, que foi o contexto de sua morte, covardemente operada por dois homens, cujo motivo desconhecemos, até porque se dava bem com todos.
Um herói anônimo, que sentiu na carne a amizade de muitos, mas foi traído, talvez por usuários abusivos de álcool. Amargou a vida tensa da floresta e recebeu o prêmio das amizades daqueles que souberam se aproximar dele. Porém, uma enxada deferida sobre sua a cabeça o matou. Por ironia, a enxada que tanto queria que fosse seu instrumento de trabalho no Maranhão, se tivesse uma reforma agrária efetiva.














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