"ESPANTA-CÃO" DOS RIOS CONTRA CANÇÕES LOUCAS E DE BATIDÃO.
- peixotonelson
- 22 de jun. de 2024
- 3 min de leitura
Nos anos perdidos dos tempos antigos, de quando se ouviam valsas, boleros e marchas carnavalescas, todos estes ritmos eram elogiados pelos idosos como eruditos e bem executados. Certa vez, presenciei em terras distantes de Manaus, bem no coração da floresta, um lugar de gente talentosa, onde algumas pessoas, homens e mulheres, tocavam vários instrumentos musicais, de fabricação local.
Confesso que não sei bem como aconteceu, provavelmente uma sabedoria centenária, vindo de pai para filhos, que conhecia o tipo de madeira próprio para fazer instrumentos de corda e sopro, flautas, pandeiros, atabaques e violinos que eram a melhor atração, além de uma sanfona surrada, que fora reciclada.
Nesta história é o violino que se torna o principal enredo e recebe o nome de "espanta-cão".
Nesse tempo, em plena Amazônia, as rádios sediadas nos Andes despejavam músicas e ritmos de merengue, salsa, mambo e outras. Imaginava que aquelas pessoas eram da pátria grande latina das Américas. Passei uma noite com eles num tipo de sarau, com músicas tocadas nos instrumentos fabricados ou até mesmo reciclados no local, com danças e muita alegria. Claro que tinha uma cachacinha da cidade, servida em conta-gota. Eu até brinquei que eu só tomaria se fosse feita por ali mesmo com frutas da floresta.
O mais importante nesse evento foi que um “estrangeiro”, um vendedor de discos e de pilhas, trouxera umas músicas da cidade, dessas bem barulhentas, com letras longe da poesia. Uma repetição de gritos a ponto de “dar dor de barriga”, disse um dos presentes, depois de terem os ouvidos insultados com aquelas que trouxera. Só houve chance de experimentarem aquelas músicas trazidas, porque os instrumentos originais cansavam os braços e os tocadores precisavam de pausa.
Certamente, não eram de promoção das lojas que vendiam discos do quilate do Roberto Carlos ou do Teixeira de Manaus, que animavam as beiradas dos rios. Mas aquelas músicas de adoecer a cabeça de todos, pareciam mesmo um “batidão”, uma bugiganga de patrão, como classificou um dos presentes.
O dono do salão tomou uma atitude, diante do vendedor dos discos “bolachas finas” do passado pois, não suportando mais e vendo que seus amigos estavam querendo ir embora, não teve outra alternativa, senão mandar a sua banda tocar. Ordenou o tocador de violino, dizendo assim: “Traz aqui o teu 'espanta-cão' e põe essas modinhas para correr”.
Assim aconteceu. Um depois do outro, os originais recomeçaram a festa e a alegria foi geral. Só não mandaram o vendedor de bugiganga musical se retirar porque queriam comprar querosene para a festa continuar e as pilhas para voltar para casa, naquela noite sem luar.
Eu fiz questão de contar essa história, porque eu cheguei a escutar na cidade que aquela comunidade fazia festa com instrumentos musicais primitivos e se referiam ao violino como “espanta-cão”, numa alusão hilariante, segundo meu entendimento, que, ao tocar, os maus espíritos eram expulsos do local. Pelo menos, se fosse verdade, teria evitado o regatão ter encostado naquele porto para vender seus bens de consumo e comprar barato a produção da pesca e de farinha.
Estudando sobre os instrumentos antigos para dar o nome histórico correto, descobri que o “espanta-cão” do momento era uma rabeca, pois encontramos essa bela informação de sua existência numa comunidade distante do Amazonas.
“A rabeca foi o primeiro instrumento melódico utilizado..., tendo-se notícias de sua utilização desde a Idade Média. É um instrumento de arco, precursor do violino. No Brasil, encontramos a rabeca de norte a sul, é tocada em manifestações populares e religiosas desde os tempos da colonização”.
*Foto de Fabio Pozzebom, Agência Brasil. Tocador é Zé de Oliveira, do Ceará.
"Foto de Gisele B Alfaia instagram @giselealfaia













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