DO PATO SELVAGEM AOS PROJETOS LIBERTADORES - adoçar a vida.
- peixotonelson
- 13 de ago. de 2022
- 3 min de leitura

Nos dias que sobram entre tantos trabalhos, um amigo convidou-me para ir ao mato caçar patos selvagens para comer. Precisávamos chegar ao lago do Jussara, Coari, AM, com a canoa nas costas. Assim fizemos. Não levei armas, mas lembrava de muita habilidade com uma espingarda de pressão. Conseguia atirar no badalo do sino de uma capela e, da proa do barco, dividir a asas de uma jacinta (libélula) parada na praia, como que separando páginas de um livro aberto. Triste lembrar, penso agora, depois de ter crescido em sensibilidade franciscana e consciência da preservação das espécies de vida. Chegamos à beira do lago do Jussara, em menos de uma hora de caminhada. Colocamos a canoa na água. O nível do lagoa era baixo, podendo ser andado com água até os ombros, mas havia muito capim ou outra vegetação aquática. Com certeza, estavam submersas algumas feras.
Meu amigo Ernani, que chegara do alto rio Juruá, levou-me até uma tranqueira que ficava debaixo do dormitório dos patos. Ali me posicionei com uma espingarda na mão, mas com a obrigação de ficar sem se mexer e de não fazer barulho, se quisesse abater um pato. Assim aguardaria o pousar de um deles, ao anoitecer.
Eu fiquei ali em estado de penitência. Os outros colegas desapareceram para fazer outras artimanhas a fim de capturar os patos quase com as mãos. De onde estava posicionado, observei um monturo de capim se movimentando com um galho sobre ele. Era exatamente o meu amigo que colocara um monte de capim sobre a cabeça, segurando a espingarda fora d'água, como que imitando a ação do vento a empurrar uma moita e um galho para que ele chegasse bem perto dos patos e capturá-los.
Enquanto isso, via-me como um eremita da floresta, paralisado sobre tocos e galhos de árvores, molestado por formigas e insetos, sem poder me mexer. Muita penitência para meu inquieto corpo e desobediência real. Preferi imaginar-me navegando naquele lago, em companhia de Jesus, retirado da comunidade para refazer as forças. Mas, naquela situação, não dava para rezar do jeito que eu achava que deveria.
A comunidade era, em grande parte, composta de nordestinos que trabalharam no Rio Juruá, Am., como "soldados" da borracha. Eram filhos dos primeiros aventureiros nordestinos que resolveram baixar até o Médio Rio Solimões, em busca de novas chances de sobrevivência, menos opressoras.
Através destes retirantes, conheci um êxodo de uma família, cujo jovem filho, habilidoso na construção naval, planejou sua fuga com mínimos detalhes. Construiu um batelão, às escondidas, prevendo a enchente do igarapé, para fugir com a família em uma noite escura, sem o patrão saber para não impedir, até que pagasse suas dívidas, nunca saldadas; provavelmente, porque era muito exploradora a relação de trabalho.
Lembro-me muito dessa comunidade que se chamava Santa Maria, uma das mais ousadas para melhorar suas condições de vida. O anúncio do Reino deveria levar a unir a fé com a vida.
Por serem nordestinos, chegados das distâncias dos rios, onde em grande parte isolados e cativos da compra de bens de extrema necessidade, tinham aprendido a fazer açúcar. Com essa experiência organizaram um pequeno projeto de fabricação de açúcar e rapadura. Adquirimos uma moenda e deixamos para trabalharem em mutirão, germinando uma cooperativa que nunca aconteceu por razões de longas distâncias entre seus interessados.
Apesar de todas as tentativas de progredir na vida, tivemos com o açúcar gramixó uma vida mais doce e fraterna, que se juntou com a fé, fazendo-os perseverantes e na esperança de dias melhores.











Obrigada pela boa leitura!👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽