AS DAMAS DA NOITE PERFUMAM A MEMÓRIA DE UMA VALENTE IDOSA
- peixotonelson
- 20 de nov.
- 3 min de leitura
Atualizado: 24 de nov.

Não havia luz vermelha a sinalizar o bordel no fim daquela rua. Os idosos, sentados na calçada, descansavam não contemplando mais o pisca-pisca do passado. Mesmo assim, com olhos brilhantes pelas lágrimas, vinha à memória os casos tristes e alegres dos velhos tempos.
Não tinham mais o interesse de passar as noites naquele lugar que parecia a boca do inferno, do descaso, da consolação ligeira e do desprezo que sentiam da família e da sociedade. O tempo passou, as políticas sociais chegaram com a Constituição de 1988, quando passaram a receber o benefício em dinheiro que o idoso em situação de vulnerabilidade, como direito, chamado de Benefício de Prestação Continuada (BPC). Entretanto, com novas tristezas e carências, continuam empobrecidos, até porque acontece que os alguns netos fazem empréstimos, deixando alguns idosos sem poderem comprar remédios de uso contínuo ou se alimentar um pouquinho melhor.
Naquela noite, o perfume pairava no ar, incenso da floração do arbusto que era conhecido com Dama da Noite (Cestrum nocturnum). Era um santo perfume rondando os idosos, sentados e olhando as profissionais do sexo que passavam por eles, buscando ali mais do que uns trocados, para levar e alimentar os filhos, sendo algumas delas abandonadas pelos maridos ou parceiros de ilusão passageira.
No grupo de idosos, estava a minha amiga Taliomara, 69 anos, que se levantou e chamou uma das damas o sexo para conversar, bem debaixo do poste de luz que estava apagado. Lembrou de um canção do Chico Buarque, cujas letras muito a fizeram pensar e tomar partido pela não violência. Tratava-se do refrão repetitivo da "cidade dos fariseus de bons costumes", com o "Joga pedra na Geni". (GENI E O ZEPELIM-1979)
"De tudo que é nego torto,
Do mangue, do cais, do porto,

Ela já foi namorada
O seu corpo é dos errantes
Dos cegos, dos retirantes
É de quem não tem mais nada
Dá-se assim desde menina
Na garagem, na cantina
Atrás do tanque, no mato
É a rainha dos detentos
Das loucas, dos lazarentos
Dos moleques do internato
E também vai amiúde
Com os velhinhos sem saúde
E as viúvas sem porvir
ELA É UM POÇO DE BONDADE
E é por isso que a cidade
Vive sempre a repetir
JOGA PEDRA NA GENI,
Joga pedra na Geni
ELA FOI FEITA PRA APANHAR!"
A bondade desta santa dama da noite, do dia e da "bela da tarde", na canção, aponta para o que Jesus disse aos seus contestadores fariseus: "AS PROSTITUTAS VOS PRECEDERÃO NO REINO DE DEUS"
(Mt. 2131)
A casa da luz vermelha, desta história nos traz a compaixão e a misericórdia, a compreensão e o direito de amar e de ser amado. Jesus já tinha dito ao ouvido da minha doce e velha amiga, no fim da rua: "quem tiver sem pecado atire a primeira pedra".
A Taliomara, alquebrada pelos anos, sussurava a Geni da canção: "vem cuidar de mim, darei atenção uma para a outra, e daí nascerá o amor de verdade, até o fim de nossos dias. Mas não faremos como Romeu e Julieta. Quando o primeiro fechar os olhos, quem ficar, vai juntar as damas da noite envelhecidas que sobrarem daquele bordel, para fundar uma casa de acolhida".

Não sei quem morreu primeiro, mas quando passo por aquela rua, não vejo mais o bordel. Sobre as cinzas, encostado a um toco velho queimado, cresceu o arbusto chamado dama da noite, que perfumou minha memória das histórias que meus amigos, de idade avançada, me contaram.
BENDITA GENI! JOGA FLORES NAS GENIS!
Saudades da minha velha amiga Taliomara! O enredo deste texto me fez lembrar do filme: Amor de Redenção, que a personagem Angel, experimentando o amor pela primeira vez e enfrentando demônios que parecem insuperáveis, foge da nova vida que ela acha que não merece. No entanto, durante a busca de Michael pela sua amada, Angel descobre que ela tem o poder de escolher a vida que quer, acontecendo um final feliz para ambos, embora com algumas diferenças do livro, publicado em 1991, cuja autora se chama Francine Rivers.
Obs. A primeira edição brasileira foi publicada pela Editora Verus, em 29 de novembro de 2010. Atualmente, é a 14ª Edição. Um belo romance para leitores, desejosos de saber do amor redentor, quando na busca do ouro, ainda sem mercúrio envenenando os rios, na Califórnia dos Estados Unidos.
Nelson Peixoto, Manaus, 22 de novembro de 2025











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