A SAÚDE POPULAR NA HISTÓRIA DE LUTAS CONTRA OS PRECONCEITOS.
- peixotonelson
- 16 de dez. de 2023
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O Hospital Tropical de Manaus traz o nome de um médico humanista que pesquisou e empreendeu sua existência na luta contra as doenças tropicais. Hoje, tem um trabalho de referência junto aos portadores do HIV. Diria que o Dr. Heitor Dourado tem o tamanho do Dr. Harold Thomas da Fundação de Atenção aos Idosos de Manaus.
Preciso contar que fui aluno do Dr. Dourado, anos antes de fundar o hospital que leva o seu nome. Fizera dois períodos de medicina social, considerando que minha existência se configurava em preparação para ser um agente humanitário para atuar, em nome de Jesus, prevenindo e curando os doentes, combatendo a pobreza extrema e incluindo-os socialmente, sem preconceitos religiosos de pureza de pele ou de deficiência física ou mental.
Como missionário, preparava-me para trabalhar na promoção dos direitos fundamentais, privilegiando a saúde do povo pobre e abandonado das regiões amazônicas. Minha experiência de atuação em equipe de saúde teve uma frente de cuidado e atenção especial para com os doentes de hanseníase e de saúde primária. Atuavámos com treinamentos criativos, que incluíam jogos, recreação, teatro e debates entre saúde e doença. A dramatização do bem-estar na família e na comunidade tinha os próprios moradores como atores. Formavam-se times com os nomes de "Seu Doença" e a "Dona Saúde". Em formato de luta, um brigava contra o outro com argumentos simples, atitudes, gestos. Nossa promoção da saúde tinha um destino certo. Buscávamos contato com todos os hansenianos, sobretudo com aqueles que se sentiam excluídos das comunidades.
Era urgente, naquela região do médio Rio Solimões, garantir medicação e derrubar o preconceito da “lepra”, e igualmente chamá-los a se incorporarem à comunidade de forma confiante e acolhedora. Da parte da comunidade, era preciso esclarecer que a falta de tratamento, advindo do isolamento, era uma das causas da disseminação da doença. Por mais que os estudos mostrassem a associação da pobreza com a hanseníase, nossa intenção, com as outras frentes de trabalho de Igreja, era fazer um trabalho multissetorial e integrado. Levar conhecimentos para as escolas, criar novos hábitos de higiene, inclusive ensinar as crianças a utilizarem o sabão "grosso" quando iam tomar banho no rio, sabendo que a bactéria causadora da doença é de grande fragilidade. Nesse caso, bastando uma limpeza razoável para eliminá-la.

Além disso, nosso paramédico especialista em hanseníase dava consultas e fazia exames dermatológicos. De acordo com a sensibilidade da mancha no corpo, ele fazia leves arranhões na pele para recolher o líquido linfático e transportá-lo em lâminas para a cidade, a fim de confirmar ou não a presença da “Mycobacterium leprae”.
Nossas andanças pelas casas de hansenianos eram frequentes, para encontrá-los. onde estivessem, a fim de garantir o controle da doença, facilitando o acesso à medicação e a alguns investimentos na qualidade da moradia e da alimentação. Merece destaque a delicadeza desses acometidos em tratamento.
Por vezes, nas casas humildes de idosos acometidos de hanseníase, quase sempre afastados do núcleo habitacional, faziam café para nos receber. Certa vez, a água ainda estava fervendo, e uma vozinha pôs o pó, mexeu e, com sua própria mão, pegou a latinha quente, coou e nos ofereceu em seus poucos canecos. Esse gesto cordial nos fez pensar na verdade de que, antes de evangelizar os pobres, somos por eles evangelizados. Assim é a vida para debelar nossa prepotência!
O direto ao tratamento médico de hansenianos foi nossa obsessão diária em projetos que levaram anos e ensinaram as crianças a cuidar de si e a obter novos hábitos de higiene e de superação do preconceito.
O Dr. Dourado, que tornara sua existência um sacerdócio de dedicação à saúde dos mais pobres e abandonados, prosseguiu através de muitos médicos de nossa geração, como de sua filha Solange Dourado de Andrade, que preside a Casa Vhida, que é uma Associação de Apoio à Criança com HIV.
* As fotos são cedidas por Gisele B. Alfaia, via instragram: @giselealfaia / Nossa gratidão!











Ainda bem que existem pessoas que olham para o outro e vêem a ausência do direito as necessidades mínimas para viver.
Muito bela história de experiência, trazendo essa emoção e ação de missão, respeito, amor e muita simplicidade. Parabéns
No mundo com tantas dificuldades encontra-se pessoas com espírito humanitário capaz de fazer o possível e o impossível por aqueles que estão realmente precisando. Este texto tem o contexto de amor ao próximo.