A SAUDADE QUE MOLHA OS OLHOS E A PRESSA DE ENCONTRAR JESUS.
- peixotonelson
- 20 de dez. de 2024
- 4 min de leitura
No domingo, notei que o rio enchia lentamente. Sem pressa, era um fim de manhã, sombreada de mangueiras frondosas. Eu e um amigo caminhávamos ao sol e sentávamos no banco da praça para conversar.
Ele estava pesado de álcool, mas inteiro para falar coisas sérias da vida e lembrar letras de músicas do passado. Em uma dessas músicas, a voz começou a embargar quando pronunciava a palavra "pai", ao entoar a canção do Fábio Júnior. Vi também outra enchente no rosto molhando a boca e o disfarce com o movimento das mãos, tentando abafar o sentimento. Enfim, parou a música e, como quem criando coragem de falar, foi contando."Levei meu pai para casa, dei banho, vesti a minha melhor roupa e coloquei-o na minha cama. Fui dormir na cama da minha mãe".
Teve que responder a ela quando perguntou: "Por que você faz isso com seu pai?". Não sei afirmar se meu amigo respondeu para ela ou estava respondendo para mim: "Fiz porque o amava muito". O meu amigo desconversou. Eu disse que queria escrever a história do seu pai.
No dia seguinte, contou-me com pesar que recusou a terra que o pai queria passar para o seu nome, lá em Novo Aripuanã, AM. Entre outros irmãos, o pai veio buscá-lo para essa intenção, mas não tinha como aceitar. Não poderia deixar a família, em Manaus, para seguir com o pai e ir para tão longe, no Rio Madeira. Os filhos pequenos e a mulher eram suas prioridades.
Numa tarde, no final de 2022, conversando sobre o Natal e escutando músicas tocadas em harpa, que tanto apreciava, trocamos ideias com fé sobre o nascimento de Jesus, e foi revelando-me que seu pai bebia tanto quanto ele faz atualmente. Para este saudoso amigo, que falava do pai, foi o último Natal. E nem mais alcançou o Natal de 2023. Neste de 2024 está fazendo um ano de sua morte.
No dia seguinte, o Evangelho da Ovelha desgarrada que Jesus contou revelava-se como Deus se comporta e sussurra seu amor na história da gente. Assim, meu amigo prosseguiu a me contar um pouco mais a história de seu pai. Contou-me que seu pai era um navegador, conhecido como regatão, do Rio Madeira, Am.
Alegre e de amizade com os ribeirinhos, o coração dele não suportava ver a fome e o abandono.
Sempre deixava alguma coisa e, com isso, facilitava o negócio e atendia o que o coração habitado por Deus sentia. "Pague na próxima viagem, arranje algum produto para pagar". Ia, de porto em porto, vendendo ou trocando mercadorias básicas.
Os irmãos, embora mais velhos, sabiam só pescar e roçar. "Eu que ajudava o velho anotando as compras e fazendo o livro de dívidas". Falou com clareza para o pai que precisava voltar a estudar. Neste tempo, a mãe adoeceu, o pai vendeu tudo e resolveram sair de Manicoré, Amazonas. Mudaram-se para Manaus, onde já estava sua irmã mais velha. Começaram a viver com 12 pessoas num quarto, cujo dono abriu uma parede e o ampliou para caber todos. Assim prosseguiram com a vida, encontrando sempre gente para mostrar que Deus não os esquecia na cidade que parecia grande e estranha.
O Seu Manassés, como se chamava o pai, separou-se da mãe e foi tentar a vida em Novo Aripuanã, onde, depois de aposentado como "soldado da borracha", morreu de cirrose hepática. Meu amigo, repetiu várias vezes que seu pai era muito bom e que o amava demais. Disse-me que não demorou muito tempo vivo, depois que veio a Manaus para levá-lo, a fim de passar a propriedade para ele, que era o seu filho preferido. Precisou recusar sair de Manaus, porque tinha família para cuidar e não daria para seguir o pai. Negação que custou muito e o fez sofrer quando soube que pai morrera, pouco tempo depois. Quase como um aviso, já adivinhara quando o cunhado o procurou para dar a notícia.
Ele ia um dia me contar por que passou a beber com frequência diária tal qual seu pai. Este meu amigo não perdia o humor e nem se queixava, apesar de ter se separado da mulher e sofrer longe dos filhos. Devia ter dentro de si as dores que a vida lhe impôs, devido às escolhas que fez, talvez para não sofrer tanto. Até brincou dizendo: "se eu tivesse com minha mulher, eu estaria gordo que nem um porco. Gosto dessa vida que eu levo".
Não sabia até quando o seu corpo suportaria viver longe da família. Ou quando deixaria de beber para encontrar outras alegrias que Deus havia preparado para ele antes de morrer. Uma coisa é certa. Deus está conduzindo-o nos ombros para que não se perca do rebanho.
"Disse Jesus: O Reino é semelhante a um pastor que tinha cem ovelhas. Uma delas se extraviou, e era a maior de todas. Ele deixou as noventa e nove e foi em busca daquela única até achá-la. E, depois de achá-la, lhe disse: eu te amo mais do que as noventa e nove. (Lucas.15 4-7).
Obs. As fotos de paisagens naturais são da autoria de Gsele B. Alfaia - @giselealfaia














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