A PADARIA QUE VIROU FÁBRICA DE “ARMAS” – DA REDE AO CARROSSEL
- peixotonelson
- 18 de set. de 2022
- 3 min de leitura

A infância pobre de um velho amigo, hoje, era rica de criatividade. As ausências de amor paterno e materno não existiram para esse moleque. Era cuidador de tudo quanto é bicho que aparecia no quintal da casa. O pai não protestava, porque parecia um educador da era construtivista ou da pedagogia do protagonismo das descobertas para multiplicar os neurônios daquela cabecinha.
Vejam bem, que seu pai era cearense, forte de vontade e disciplinador, que no uso do cinturão vigiava o "cabritinho", e corda longa para dar distância e autonomia. Deixava o filho crescer em liberdade. O pai, como trabalhador de padaria e entregador de pão, simpático e de boa conversa com os fregueses, deu com sua profissão o maior exemplo de responsabilidade em família. A mãe teve seus padecimentos, mas souberam, cada um, do seu jeito, gerar filhos valorosos.
Agora, estamos diante do Mundico das Moitas, homem produto de alta qualidade humana, que liderando uma turma de crianças, construiu uma padaria na parede de barro do quintal. Miniatura de forno com bandejas e pãezinhos de argila amassada e em formato, tal qual na padaria, sonhando matar a fome de quem não podia comprar pão para matar a fome, que naquele tempo não era tão castigadora dos pobres. Havia o peixe, as frutas dos quintais, a vizinhança que emprestava como partilha, à semelhança de Jesus, quando dissera:
"Dê a quem pede, e não voltes as costas àquele que deseja pedir algo emprestado, (Mateus 5,42).

Na brincadeira do quintal, o fogo era real para assar os pães de brinquedo e a confecção de bolotas para as baladeiras. Estou certo de que esse criador de iguanas, periquitos, pintos e passarinhos, na época da fábrica de bolinhas assadas, quase esquecia sua vocação de guardião na natureza.
Não esquecera também de ser um eterno reciclador. Com a molecada da mesma idade, aproveitava as câmaras furadas e não consertáveis das motocicletas para fazer baladeiras poderosas, quando nos dedos esticados podia ameaçar onças e jacarés. Com uma imperfeição apenas, que custava dor no peito, caso arrebentasse antes da hora, fustigando dedo, braço e mão.

De padeiro aprendiz, sonhador do fim da fome no mundo, como o fabricante de pedras duras ou bolas de caçar, a matança animal tinha que cessar. A vingança era criar bichos no quintal, de porco a marreco, de galinha caipira a papagaio falador, alfabetizado e sem dizer "palavrão".
O Mundico das Moitas conta que voar como os pássaros era seu velho sonho de infância, relatando o malabarismo que fazia com a rede de dormir no quarto dos pais. Imaginava balançar a rede tão no alto que chegava a pôr os pés no telhado. E se um belo dia saísse telhado acima, sobrevoaria a cidade? Poderia ser aclamado de Santos Dumont amazonense. Seu sonho baixava para entender e amar o aconchego dos dois quartos de dormir de sua casa. Dois mosquiteiros que cabiam duas redes em cada e dois tupés, debaixo delas.
Aquela crença que mandava menino ficar quieto na rede, senão ficaria zarolho ou de miolo mole, não funcionou para ele. Virava e revirava em corrupio, até descobrir o carrossel do Seu Doca Espantalho. Aparecia por lá para oferecer ajuda e engraxar as engrenagens, em troca de voltas e muitas voltas no mundo em aventuras voadores nos ares.
O chão era sagrado, a rede e o carrossel eram o avião dos seus sonhos de menino que cresceu e virou um amigo, pai de família e professor conceituado.











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