A MADRUGADA DO BICHO DE FOLHAS - A LUZ DO PERDÃO.
- peixotonelson
- 1 de out. de 2022
- 2 min de leitura

As quatro palmeiras pareciam fantasmas assustando na nossa frente. Ao vento leve, fachos de luzes, ao fundo, como olhos que se abriam e fechavam nos olhando. Lá dentro, a luz forte acendia a mente do idoso e aquecia o seu coração. Todas as madrugadas estava ali rezando, ouvindo os pássaros acordando o sol.
Certo fim de noite, saio de casa, quietinho, para juntar mangas no quintal e vimos aquele vulto de joelhos com as mãos encostadas na sacada de sua janela.
"E aí, meu velho amigo? Que fazes? Pensamento distante, não é?"
Sem responder, identificou-se como se imaginava naquele momento. "Sou um bicho, entre os espinhos, sou o Bicho de Folha, olhando esse quintal de árvores cortadas e varas quebradas a golpes".

Paramos para conversar. Muito difícil lembrar de cada palavra daquela sábia cabeça que pronunciou, em voz baixa, o seu encanto pela floresta, pelas folhagens das beiras dos rios. Ramagens que bebiam água e sinalizavam para onde ia a corrente.
Reproduzo o que me impressionou de seu lamento de dor, saudade e arrependimento, que me fazia lembrar a corredeira dos rios e os caminhos da floresta, por onde também pisamos.
Vou relatar apenas três lamentos que nos impressionaram. Ele ali estava, num clarão de arrependimento pelo pouco que fez para preservar as matas e os animais silvestres.
1. "Minha casa no alto do barranco, via o sol nascer. Mas era a primeira a sentir o céu escurecer, quando chegava a noite ou aproximava-se o temporal. Agora, longe de tudo, eu choro porque fiz muito pouco para preservar a beleza das matas. Derrubei com machado e com motosserras os pés de andiroba que meu avô plantou. Muita cura aquele óleo me deu! Em linguagem indígena quer fizer óleo amargo (Adi-roba), que sem ele, foi a minha vida que assim ficou".
2. "Você sabia que ensinei para os barcos de pesca o caminho do lago para ganhar uns trocados e uma simpatia. Veio a fome, aumentaram a distâncias para pegar o peixe. O lago foi peneirado pelas redes gigantes com aquele tipo de pesca. Os peixes tucanarés foram pescados e as piranhas ficaram sem predadores e ocuparam as águas" 3. "Um compadre veio buscar andirobas para tirar óleo e eu acabei brigando porque me acusou de traidor. E ainda disse que eu matava peixe boi pequeno, pegava araras para vender as penas".
Daí, conversei com meu amigo "Bicho das Folhas", às avessas. Escutei mais do que falei e vi lágrimas brilhando no seu rosto. Era arrependimento pelo pouco que tinha feito em favor da vida na floresta.
Bicho de Folhas às avessas, porque a lenda diz que esse animal é um também vegetal. Seus braços são galhos fortes que espantam os madeireiros, suas pernas são troncos de árvores que se movimentam onde os devastadores chegam para abrir lareiras e entrar com o agronegócio. O legítimo bicho de folhas é protetor e zelador dos igarapés, cuidador dos peixes em reprodução e curador com os remédios das plantas.
Enxuguei as lágrimas do meu velho amigo que pedia perdão.
"Escreve para mim essa passagem triste de minha vida".
Escrevi e aqui está.











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