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A ARTE DO AMANSADOR DE BURRO NAS TERRAS GOIANAS E MINEIRAS

  • Foto do escritor: peixotonelson
    peixotonelson
  • 11 de abr.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 13 de abr.

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Tornei-me amigo de um idoso quando o escolhia e convidava para tornar-se líder de um grupo de dança com seus companheiros de dormitório, à moda de Michael Jackson. Para ser mais fácil no ensaio, sugeri uma balada dos anos 70 e 80. Escolhemos "She's Trouble" (tradução literal: ela é um problema), que daria para balançar o esqueleto sem comprometer os reumatismos dos colegas, mas que para o Zildo, chefe do grupo, seria um desafio, porque ele estava conseguindo ficar de pé devido a suas andanças no mundo de "cawboy", nas aventuras de campo e enfim na cidade onde um desastre destroçou suas pernas.


Depois de achar graça com minha sugestão de formar o grupo, foi me dizendo que já exerceu a profissão de amansador de burro, de jumenta, besta e os primos equinos. Ele me disse que não tinha nada de dançar como Michael Jackson, mas, sim, de domar os bichos. Sabedoria não faltava para esse sujeito capaz de fazer um animal ficar de joelho, mas que nunca ensinou os bichos a se benzerem. Habilidade que o fez conhecido entre os pequenos e grandes fazendeiros, além de um padre que o conhecera quando era seminarista.


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Sua arte foi aprendida com seus antepassados, que nasceram nas serranias de Minas, carregando gado para as terras de Goiás e de Mato Grosso. O desafio para enfrentar os burros bravos tinha um detalhe. Não fora para o Uruguai porque quando era jogador de bola, certa vez correu, pulou a cerca do gado e se lançou num riozinho com os dois pés. Um pé caiu na areia e o outro em cima de uma garrafa quebrada, quase dividindo seu pé direito. "O sangue escorria pelo rio, mas eu gritava apavorado, pensando que as piranhas iam chegar para fazer curativo", disse-me.


Como fora buscar a bola que o padre chutou, feito louco, então este, com muito cuidado e carinho, carregou no colo o garoto ensanguentado, levando-o para a sacristia da igreja, que ficava ao lado de um bananal. O padre enfermeiro, esperto que era no socorro aos doentes, cortou umas folhas gigantes de bananeira, colocou as folhas para sabrecar no fogo e enrolou o pé que ainda sangrava. Daí, amarrando em cruz e apertando, o sangue parou na hora e o moleque não morreu, como profetizara o padre.


Esse menino cresceu e esqueceu do corte que quase decepara o seu pé. Não precisou ter aulas com o saci para iniciar sua temporada de amansador de burros. Procurado por todos, fazia sucesso, e foi me contando o seu grande segredo para saber de que lado o animal pularia, correria, saltaria e daria seus pinotes e currupios no ar, até cair mansinho e ofegante. Domar era preciso e grande era a torcida da galera assistente, naquelas tardes ensolaradas de vivas e palmas.


O truque ou a percepção da linguagem, no movimento das orelhas do burro, era o segredo de seu sucesso. O Zildo não tirava os olhos das orelhas do animal. E foi me contado: "Oh, Nelsinho! Não tem vacilada! Nunca errei nessa arte de amansador. Sei até os nomes dos saltos que o animal ia dar. Se ele colocar a orelha em pé, o salto do animal será para cima, dando vira-volta. Se ele dobrar a orelha esquerda até a metade, o pinote ia para a esquerda. Se baixar as duas orelhas inteiramente, ele vai se abaixar primeiro e soltar um grito. Segura, peão!".


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Essa linguagem decifrada do Zildo, ao observar as orelhas do burro, valeu o seu sucesso em Goiás e me trouxe a lembrança de dois livros do meu tempo de menino leitor. O primeiro livro, bem velhinho, chamava-se "O Burro Cadichão", publicado em 1860 (um burro sábio que escreve suas memórias), e o outro mais recente, que se chama "O Domador de Burros e outros Contos", do escritor moçambicano Aldino Muianga.

Confesso ao finalizar esse texto que estou muito feliz por ter conhecido o meu novo amigo Zildo e seus companheiros, pois ainda conserva o sonho de voltar para a sua terra, onde o sucesso povoou seus dias de glória.


Não esqueçamos que Jesus entrou em Jerusalém antes de ser condenado como subversivo, montado num jumento novo. O Zildo perguntou: "QUEM AMANSOU AQUELE JUMENTO? SE EU ESTIVESSE LÁ, EU FARIA ...!".


"Este jumentinho é símbolo da vida pacífica, animal do pobre; é conhecida sua resistência na lida... carrega peso, lavra a terra, suporta longas viagens… Não é animal para a guerra e nem para alimentar a vaidade...demonstrar seu poder diante dos outros. Jesus se serve de um jumentinho para dizer que não quer se impor pelas armas e pela força...(Pe. Adroaldo Palaoro, SJ - Para o Domingo de Ramos - Ano C)


 
 
 

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