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UM AVÔ MULTIFORME – A FIGURA E O AMOR DE UM LUSITANO PATERNO

Nos meus dias de criança, um homem cego chegava para almoçar na casa de minha avó. Vinha guiado desde sua casa por um “sobrinho”, chamado Américo, o mesmo nome de meu avô paterno, já falecido. Era curioso para mim, com meus 5 anos, ver aquele "meu senhor" vestido de preto, pois usava batina escura porque era o pároco da Igreja do Rosário.


Não soube quase nada de sua vida em Portugal, mas sua chegada em Itacoatiara, AM, coincide com o início do Estado Novo de Portugal, conhecido como a Ditadura de Salazar, que durou de 1933 até a Revolução dos Cravos de 1974. O contexto histórico e as características do regime político fizeram muitos historiadores afirmarem que tinha orientação fascista. Se sim ou não, ainda está sem consenso entre os historiadores. Essa relação que associa o regime de Salazar com o fascismo é questionada por não poucos historiadores. Pouco importando para nós esse consenso, era um regime anticomunista, tendo havido perseguição dos partidos político e dos opositores. Provavelmente, a personagem dessa história, o Monsenhor Joaquim Pereira, teria sido um perseguido, não bastando para ele as palavras de ordem: Deus, Pátria e Família!


Sem documentação comprobatória, levo-me a opinar que o silêncio do passado do Monsenhor Pereira talvez devesse à perseguição por não compactuar com certa aliança entre os bispos portugueses e o salazarismo, motivados pelo anticomunismo, usado pelo regime como expediente de repressão, pois tinha aproximação com o fascismo na Itália.


O Monsenhor Joaquim Pereira, entretanto, para a minha imaginação infantil, era um “herói vítima da guerra”, pois o conheci cego, idoso, com andar trôpego, mas capaz de provocar em mim admiração acerca de sua existência jovem, ainda em Portugal. O mesmo prestígio teria para mim caso se somasse ao fato político da perseguição o seu vigor missionário que o fez migrar para o Brasil, viajando de navio, aportando em Belém e depois subindo o Rio Amazonas, chegando, enfim a Itacoatiara, e por lá ficando até morrer, tendo sido um pai presente na vida do povo.


Era infalível sua chegada diária à casa de minha avó e o cuidado das minhas tias para com ele. Chegava, sentava-se numa cadeira de espaldar alto, esticava as pernas e os pés, cobertos de meias vermelhas. Com os pés seguros, num apoio para descansar, eu subia e sentia-me montado sobre um cavalinho. Ele não se aborrecia, mas eu o via sorrindo e sentindo a alegria de estar interagindo com uma criança.


Meias vermelhas me chamavam a atenção, com aquela batina com botões da mesma cor das mangas-rosa do quintal dele, onde eu corria e juntava, ao pé da árvore de abricot, aqueles frutos deliciosos, que muito tempo mais tarde, decobri que tinha o gosto de geleia de damasco. Para mim era a melhor fruta do mundo que eu ganhava de presente, embora a manga-rosa e manga-espada fossem as preferidas e abundantes.


Evocando o sentido da palavra "padre", apesar de Jesus dizer que só temos um PAI E SENHOR, são diversas as formas da paternidade no mundo, quando temos o carinho de pai e de avô, aqui nesta terra. É importante experimentar esse amor, porque, à medida que tivermos pais amorosos, será mais fácil confiar em Deus como pai e acreditar que Ele nos ama assim como somos. A figura paterna terrestre não pode esfriar, muito menos se apagar. Se isso acontecer, no coração humano, a figura amorosa de Deus ficará dificil ver a si mesmo como a “pupila de seus olhos”, por tão grande amor.

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Meu Senhor e Monsenhor, derivado do francês (Mon Seigneur), que, além de rimar para nós, é uma experiência da posse dos sentidos que chega ao pensamento e passa ao coração, como razão de crer e de amar, pois pai e mãe, avô e avó são reflexos do AMOR INFINITO DE DEUS.



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