O DOCE URUBU TEMTÉM E O APOIO POLÍTICO DAS GRAÚNAS DE BELÉM
Um amigo, idoso começou a me contar do tempo dos paredões da margem do rio de onde nasceu. Havia o pássaro ariramba, mas ele se impressionava com os ninhos dos urubus, que eram cavados nos paredões das terras caídas nas margens do rio. Ele chamava esses e outros urubus de temtém.
Admirava a imaginação dos homens ribeirinhos. Foi numa dessas viagens que meu barquinho quebrou, obrigando-me a passar a noite de lua cheia num porto, perto de um paredão. Haja história para contar!
Lá do alto, via-se no rio uma estrada brilhante do reflexo da lua mexendo-se no burburinho da água corrente. De vez em quando, como mergulho no ar, descia um pássaro grande sumindo da nossa vista e, provavelmente, aterrisando na parede da margem alta, debaixo de nós. A conversa girava a respeito de paraenses que trouxeram o plantio do feijão-de-corda. Pois bem, a roda de amigos era um grupo familiar que viera para o Baixo Amazonas conseguindo um pedaço de terra no alto daquela margem, embora precisasse atravessar o rio para plantar feijão e melancia na praia que surgia na outra margem.
Na nossa boa conversa sobre pássaros e peixes, percebi um preconceito de cor quando diziam que os "pequenos urubus são lindos porque são branquinhos, mas quando crescem ficam feios". Nem preciso explicar. Mas em contrapartida, ouvimos a história do urubu Temtém, a personagem heroica do Ver-o-Peso do porto de Belém, que um paraense começou a contou. Antes, o paraense bairrista elogiava um dos mercados públicos mais antigos do país, que fora eleito uma das maravilhas do estado do Pará e uma das 7 Maravilhas do Brasil. Eu acredito, mesmo decorado de urubus transitando para comer!
Pois bem, desde 1901, os urubus são vistos no céu planando quando de barriga cheia e disputando carniças para conseguirem se sustentar no ar. A geração de urubus reis e rainhas, plebeus e peões tinham castas com sistemas de privilégios distribuídos, o que deixava os fracos de fome cada vez mais vulneráveis, discriminados e enxotados das proximidade das bancas. Só os fortes da casta superior tinham condições de voar com os peixes no bico.
Conta-se a história do Urubu que vivia ali pelo Ver-o-Peso, em Belém, brigando por um peixe ou um pedaço de pelanca, magro velho, até que alguém o viu e dele se compadeceu. A bondosa alma o levou para outro estado, onde havia abundância de carne, peixe e outros alimentos. A história prossegue chamando a bagunça de distribuição de comida.
"Mas qual não foi a surpresa do seu benfeitor ao ver que o urubu andava triste e cabisbaixo pelos cantos, quase morrendo de fome e inanição. Como poderia ser isso, diante de tanta fartura? A negra ave reuniu as últimas forças e respondeu ao seu benevolente amigo que estava daquele jeito, em estado deplorável, porque não tinha a mesma alegria que tinha entre os outros milhares de urubus que brigavam por um pedaço de comida no concorrido Ver-o-Peso; que mesmo num lugar de tanta fartura, o que ele sentia falta mesmo era da bagunça" (ZEDudu.com.br) - Demerval Moreno).
O urubu se chamava Temtém e, mesmo longe dali, nunca se esqueceu dos compaheiros. Pensava em voltar e libertá-los da iníqua desigualdade entre eles naquele mercado municipal e da estratificação que condenava bandos inteiros à fome e à morte, inclusive por pedrada das crianças não educadas que brincavam de espantar urubu para longe dali.
O nosso Urubu Temtém queria virar herói. Pensava em voltar para Belém e realizar seu intento revolucionário, mas precisava da aliança de outros pássaros. Pensava com pessimismo, porque ouviu de uma graúna que, no Ver-o-Peso, os urubus tinham se conformado com a vida miserável: "É assim mesmo, uns nascendo para viver e outros nascendo para morrer e não disputar com a democracia urubuana a fim de deixar o alimento para os poderosos de asas pretas".
O Temtém foi buscar aliados entre as graúnas e os anuns pretos que ficaram nas folhagens das moitas, à espera dos raros peixes podres que sobraram e passavam na corredeira, ou dos peixinhos e camarões distraídos que chegavam à flor d'água. Celebrada a aliança, começaram a campanha política de convencimento patrocinada pelos anuns e as graúnas sob a liderança do Temtém. A cláusula do sucesso foi mostrar que, além de Ver-o-Peso, havia toda uma cidade, que naquele tempo não tinha limpeza pública.
Sendo assim, os urubus voltaram a se alimentar com equidade, a povoar e a evitar as doenças da cidade. Na eleição do sistema democrático, o Jornal "O Liberal" anunciou a segunda edição do romance "A Revolução dos Bichos" de George Orwell.
As fotos 2 e 4 são da autoria da fotógrafa e aritista plástica Gisele Braga Alfaia
@giselealfaia
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