O BEM-TE-VI DOENTE E CUIDADO NOS ENSINA A AMÁ-LO ATÉ O FIM
Um amigo do peito exclamou para mim certa vez. “Grande parte dos seres vivos têm suas vidas organizadas politicamente. Mas esse modo de vida nem sempre é justo, fácil, amigável. A diferença social é enorme, a desigualdade é profunda, mas no conformar-se com a situação, temos a aparente percepção que tudo está bem. É a vida, com suas justiças e injustiças” (Antônio Claúdio Ferreira).
“Aproveito o "gancho" da publicação dos urubus no Mercado Ver-o-Peso de Belém, e conto a estória de um bem-te-vi, e as lições que com ele aprendi. Chamo o meu amigo de “Foguinho”, que entre outros motivos aquece os pássaros feridos que caem sobre seu caminho nos dando uma lição de cuidado e de amor aos seres vivos, frágeis ou sem família.
“Na frente de casa, tem uma minúscula praça. Ali temos um poste de luz com transformador, que em suas aletas para dissipar o calor, abriga ninhos de bem-te-vis e sabiás. Mas tem também um coqueiro, do tipo jerivá, que tem sua copa na mesma altura do poste, e abriga em sua copa ninhos de passarinhos. Certa manhã, saindo para trabalhar, vi dois filhotes de bem-te-vi caídos no chão. Como não tenho escada alta, mas meu vizinho tinha, eu pedi para que ele tentasse colocar os filhotes no ninho. Ele topou e assim o fez. Mas para surpresa, horas depois os dois estavam no chão novamente.
No dia seguinte, vendo isso novamente, e percebendo que um já estava morto, mas o outro não. Falei com minha esposa ‘Vamos colocar esse filhote aqui no quintal, e assim que a mãe dele perceber virá tratar dele’. Conto que foi um engano enorme essa tomada de decisão, pois não imaginava as doenças que o pobre coitado tinha. Passaram meses, e o bem-te-vi não voava, não tinha penas em abundância. Sendo assim, passava o tempo todo andando no chão do quintal. Minha esposa e minha filha resolveram levá-lo para uma central de zoonose para lá deixá-lo. O veterinário que nos atendeu, achou que mantínhamos o pássaro sob cativeiro, e que as penas de suas asas estavam cortadas. Nada disso, pois as penas não cresciam. Assim que nasciam elas caíam. Foi um alvoroço, mas provaram que o pequeno pássaro tinha problemas. Inclusive uma das pernas era torta, pois quebrara quando jogado para fora do ninho.
A ornitóloga, que andava sempre com um pássaro nos ombros, atendeu bem e emitiu seu diagnóstico: 'esse pássaro é doente'. Fizeram exame de sangue dele, e o resultado mostrou que ele tinha uma doença congênita no sangue, que não permitia a formação correta das penas, e essas caíam, e quando caíam, saía sangue do local.
Sabendo que ele jamais voaria, nos tornamos tutores desse pequeno bem-te-vi. Vivia solto no quintal, sempre no chão, precisando estar de olho nos gatos e nos bem-te-vis machos que queriam bater nele, devido à disputa natural por território e comida. Para que não passasse fome, comprávamos semanalmente um pequeno pote de larvas de mosca que os pescadores usam como iscas, e um pote com minhocas.
Esse frágil pássaro viveu por alguns anos no nosso quintal. Certa vez. ficou machucado pela chuva de granizo. Ele caiu e as pedras de gelo estavam em cima dele. Peguei, lavei com água morna, embrulhei num pano, e assim ele ficou bem. Mas numa tarde, cheguei em casa e não o vi no quintal.
Procurei e encontrei-o num corredor lateral, coberto de sangue. Eu já tinha previsto que isso aconteceria algum dia: Um bem-te-vi macho viria e o mataria. Foi morto pela violência na disputa por comida pelo próprio irmão de espécie Não conseguiu viver sua vocação de pássaro, cantar nas laranjeiras, acordar-me ao amanhecer e chorar por nunca tê-lo visto feliz nos galhos das árvores.
Pela deficiência que tinha não pôde fugir. Pela comida foi machucado tanto que saiu a tampa superior da sua cabeça. Fiquei sem saber mais o que mais fazer. Segurei-o nas mãos para que tivesse calor, e assim vê-lo morrer. Aquele indefeso conseguiu viver alguns anos em razão da proteção e carinho que recebia".
Mas foi voar nos horizontes de um outro mundo possível e sem fome, onde homens, mulheres, crianças e pássaros terão o necessário para viver e se curar das doenças!
Obs, Créditos desta foto para Gisele B. Alfaia @giselealfaia
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