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A MÁSCARA INFANTIL DE QUEM SE DECLARA BRABO, MAS QUER AMOR

Um amigo de rua apareceu no meu caminho, bem cedo da manhã. Surpreendi-me com sua aparência limpa e camisa estampada. Logo notei que estava cuidado ou numa fase possível que a bondade de Deus e sua resposta a ela estavam em sintonia.

 

Ele falou comigo primeiro como se estivesse ouvido minha oração escrita, antes de sair de casa.


“Teus sinais não têm nada de mágica, mas de prosseguimento da copiosa torrente de amor que sai incessantemente do teu coração de Pai, que creio estar sempre ao nosso alcance".


Aquele velho amigo vinha acompanhado de uma mulher, separada do seu ex-companheiro. Não sei se era uma dessas andorinhas ou andarilhas sem casa, entre aquelas que encontram "ninho" ou uma asa forte para passar um tempo, vivendo debaixo de marquises ou de casas abandonadas até que o proprietário descubra e a coloque para fora. Ela vinha com um menino de cabelo de fogo, 12 anos, mais ou menos. Acho que ele não largava a mãe, mas agora estava perto de um possível pai protetor que encontrara.


Tudo no menino sinalizava vivência amedrontada e rosto duro, mas não tinha "cara de mau". Estava desconfiado comigo e com quem se aproximasse com algum sinal de valorização. Com aquele amigo de momentos de sombra e almoço, debaixo de um gigante pé de taperebá, agora era um trio, mas não sei até quando. O protetor do menino respondeu a minha pergunta de "como tu andas?". Ele sem titubear foi dizendo que estava perdido por aí, vivendo sem casa, dando-me a entender que estava junto com a mulher e o filho dela.


Durante minha rápida conversa, tomei consciência de que o menino, até então, estava ali. Então, olhando para ele, e com ternura, passei-lhe a mão na cabeça. De sua parte, encarou-me dizendo: "eu sou brabo". Fui saindo e me despedindo, refletindo nesta identitária do menino. Tive vontade de segui-los para saber mais sobre ele e sua mãe.

 

Em anos passados, ouvi comentários cruéis e deterministas sobre crianças pequenas, antes mesmo dos sete anos, por causa de seus comportamentos desalinhados dos jeitos naturais e inocentes de uma criança daquela idade tão tenra. Com mais de seis anos, já indicava ultrapassagem da primeira infância, que certamente não tivera, em termos de proteção, cuidado, amor, carinho e desenvolvimento neurológico, inclusive devido à fome que passara e da vida em extrema miséria. Confesso que não acredito no determinismo de quem, sendo criado naquela situação tão cruel, tornar-se-ia um possível delinquente, psicopata ou privado para sempre de uma vida humana de direitos.

{Obs, FOTO 2}

   

Mas o olhar de cara dura daquele menino me perseguia no pensamento e me fez pensar em um outro que conhecera e que interagira comigo e meus filhos, em festas de aniversário. Este, entretanto, espantava as professoras com suas travessuras, mordidas e gestos de violência como reação desproporcional e gratuita.

 

De vez em quando, pensava nele e como teriam sido suas escolhas depois de crescer, uma vez que ficava em mim aquela ideia de que para ele não teria chance de se tornar um cidadão feliz. Tumultuavam-se as perguntas:  Mas que escolhas? Dependia somente dele fazer escolhas construtivas ou destrutivas de si e dos outros? O que teria faltado, desde sua gestação, nascimento e condições de miséria, antes de chegar ao meu encontro?

 

Quanto a esse menino, perdido no tempo, o seu fim foi trágico, depois de anos de prisão, onde aprendeu a viver mais perigosamente, morreu trucidado no meio da rua. Para reconhecê-lo, foi notada uma tatuagem nas suas costas com o nome da mulher que se fez mãe quando ele era criança e jovem, até sair de casa e sumir no mundo. Não sei se ele chegou a cometer algum homicídio, mas certamente foi também vítima da miséria das prisões.


Em "As Prisões da Miséria", que celebramos 25 anos de sua publicação, o sociólogo Loic Wacquant denuncia, desde muito, o modelo prisional made in USA por toda a América Latina, chamada de "tolerância zero", como solução mágica para o problema crucial da violência criminal, que, negando a consolidação de uma sociedade democrática, pesa sobre os pobres, conectando a questão criminal e a questão social, como traz o título do livro.

 

Retomo o pensamento para o meu novo menino de cabelo de fogo que encontrei na rua nestes dias. Rezo por ele, mas não sei o que podemos fazer em termos de política pública para reverter o “determinismo biológico” que pode levá-lo para a miséria das prisões e depois à morte. Não creio que uma criança possa ter, sem redenção, um destino patológico desde que fora bebê.     


Dito isto, leitor e leitora amigo(a), lamento que nenhum outro cientista, como o Dr. Albert Sabin, que venceu a parilisia infantil com o intuito de ver as crianças andando de cabeça erguida, tenha milhões de concorrentes sábios, comprometidos com terapias sociais de proteção, crendo na utopia de que nenhuma criança chegasse a ser condenada sem ter se erguido do chão de sua miséria.


Você sabia que o Dr. Sabin, diante do mar, quando foi elogiado, dissera que o que fizera foi apenas uma gotinha no oceano? Em contrapartida e com atraso civilizacional, afirmemos, diante do mar de atrocidades, que não podemos perder a esperança, deixando de pulverizar gestos de Justiça e Fraternidade universal para mudar o mundo.


Obs A foto segunda é da fotógrafa Gisele B. Alfaia, com minha gratidão.

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