A COSTUREIRA NO PÔR DO SOL DA VIDA DEIXA O SEU RASTRO DE LUZ
Encontrei-me com a Graça, depois da missa, cujo evangelho falava da simplicidade e da sabedoria de Jesus, mais facilmente inteligível aos pobres do mundo. Fui chegando e logo tive a notícia de que sua amiga do pavilhão falecera no hospital, depois de uma vida muda e quieta nos últimos dois anos, em suas dores que a levaram ao médico, a marcar e realizar a cirurgia, cujo resultado, foi seu óbito, na tarde daquele sábado de sol.
Triste, saudoso e agradecido para a família e para os idosos que a conheceram foi seu talento de costureira famosa, artesã com as mãos, entre pessoas simples e pagantes de sua cidade natal. Diante deste fato incontornável da morte, comecei a pensar que cirurgia, liturgia e costura têm raízes aproximativas e etimológicas em sua origem. Portanto, cirurgia significa trabalho manual, arte, ofício, no qual se empregam as mãos para a execução da cura, tal como fazia a falecida Nora, talhando e confeccionando roupas, que no caso de Parintins, no Amazonas, operava na produção das belezas dos festivais folclóricos antigos de sua cidade, das duas agremiações, do Boi Caprichoso e do Boi Garantido. Era tal seu saber, que inspirou modistas, figurinistas e desenhistas de sua geração.
Além do mais, a costura, a cirurgia e a liturgia focam o valor que trazem o prazer, a contemplação e a cura de quem se sente desalinhado na saúde física, mental e espiritual. Como liturgia, muito empregada na igreja católica e cerimônias civis, é a ação coletiva do povo que tece as celebrações e se apresenta a Deus como comunidade orante. Digamos que é o fio condutor do novelo da fé de toda e qualquer ação religiosa, seja alegre do nascimento ou triste e esperançosa da vida eterna, na morte.
No caso da Nora, a costura foi prazerosa, aguçou a imaginação e ainda foi sua aliada na forma de lidar com questões como baixa autoestima, depressão e ansiedade. Por isso, podemos dizer que, nos seus 84 anos de vida, experimentou a alegria em família, em vizinhança e na dinâmica de suas criações artísticas.
Diante dos olhos fechados da Nora, na capela funerária, conversei com sua neta e sua filha, que confiantes na fé da vida eterna, estavam comigo elogiando sua mãe e avó. O grande trunfo da falecida foi ter cuidado de sua mãe até o último suspiro, como prova de um amor filial que não abandona ninguém na velhice, sem usar aquelas justificativas de não ter tempo e de ter que trabalhar para ganhar dinheiro. Até podemos compreender os casos de famílias, em situação de empobrecimento e de complexas exigências de saúde, quando se faz urgente o abrigamento do idoso, fora da família biológica, em instituições públicas.
Entendi o drama da pequena família da Nora. Contaram-me que ela, a Nora, fora a cuidadora, até ao extremo, de sua mãe, mas que agora, a própria família, permitiu que ela mesma fosse morar fora dos familiares, a fim de deixá-los mais livres para tocar suas vidas. Provavelmente, a Nora tenha experimentado o quanto de tempo foi dispensado para a mãe, por causa de seu amor de filha. Tanto foi assim, que autorizou que ela, por sua vez, vivesse seus dias fora do aconchego familiar, que durou apenas dois anos.
Essa justificativa exige transparência ética, honestidade de intenções e um discernimento das moções que não podem ser por puro egoísmo e a vontade de ganhar dinheiro, retirando da vida os obstáculos impeditivos do sonho dos bens materiais em excesso. Deste modo, não vejo justo deixar um idoso em asilo, mesmo quando set tem condições de pagar! Imaginem a família quando é necessitada e empobrecida!?
Como conclusão, podemos ponderar que colocar pai ou mãe em uma Instituição de Longa Permanência de Idosos (ILPI), pode ser a maneira de garantir a assistência e mostrar amor a quem o criou com toda a dedicação.
É verdade que em muitas casas de repouso, os idosos recebem assistência médica e psicológica de boa qualidade, além de companhia e momentos de lazer, me falou uma Assistente Social. Assim sendo, eu começo a acreditar ser razoável procurar um Casa de Idosos, quando não é possível todo esse cuidado acontecer dentro da família. Porém, não deixo de lutar para que a qualidade de atendimento seja universalizada em todas as famílias e todos os serviços que forem prestados aos idosos em nome da sociedade.
"Que nenhum idoso more ou morra sozinho"
Obs. A foto 1 é da autria de Gisele B. Alfaia @giselealfaia
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